Religiosidade, Memória e Cultura
Ponto alto da festividade em homenagem a São Benedito, o popular "Santo dos Pobres", a saída do andor com a imagem do santo da Catedral de Bragança, na orla do Rio Caeté, deu início à procissão de 2,5 km, às 16 horas deste sábado (26). Milhares de pessoas acompanharam os festejos, que começaram na última quinta-feira e terminaram na noite de sábado. Cheia de simbolismo, cores e completando 211 anos de história, a Marujada é hoje patrimônio cultural e artístico do Estado, a partir do decreto assinado no último dia 5 de dezembro pela governadora Ana Júlia Carepa.
O sincretismo religioso caracteriza a festa, iniciada pela época da fundação da irmandade de São Benedito, em 1798, com a comemoração de Natal dos escravos, que recebiam dos seus senhores as sobras dos banquetes natalinos e podiam comemorar a data segundo os seus costumes. Uma das figuras tradicionais da festa é o esmoleiro, cuja origem se deu no movimento criado pelos 14 escravos que fundaram a irmandade: a esmolação, que serviria para a construção da igreja de São Benedito.
Hoje em dia, o esmoleiro não visita mais as residências em busca de doações e, sim, para levar a imagem do santo e evangelizar os lares. São três grupos de 14 homens, divididos em esmoleiros da praia, da cidade e do campo. Na procissão, a tradição se mantém intacta nos pés descalços, no chapeú com fitas coloridas das marujas e até no espelhinho que alguns marujos ainda carregam nos seus chapéus, acessório que servia para as marujas se admirarem. As presenças da capitã e do capitão, cargos vitalícios, são as mais respeitadas, assim como as do juiz e da juíza, eleitos todos os anos, depois de serem selecionados numa lista de espera. No dia 25 de dezembro, em referência à origem da festa, a juíza oferece almoço aos participantes da procissão e, no dia seguinte, é a vez do juiz.
Restauro - A imagem secular foi minunciosamente restaurada, durante sete meses, pela Secretaria de Estado de Cultura (Secult). Para a professora aposentada Claudete Figueiredo, a nova imagem é motivo de felicidade, assim como para sua filha, Selma, que acredita que o decreto ajudará a manter a identidade da Marujada.
A festa impõe tanto respeito aos moradores e visitantes que os 20 homens do Corpo de Bombeiros não registraram nenhuma ocorrência até o momento da procissão. Receptivos, os bragantinos também acolhem muito bem os turistas, que podem curtir pela cidade apresentações de dança, marcadas pela mistura do ritmo afro com hinos católicos característicos dos rituais da Marujada.
Religiosidade - Localizada a 210 quilômetros da capital paraense, a Pérola do Caeté, como é conhecida a cidade de Bragança, encanta pela simplicidade e beleza colorida das construções históricas, além do cenário natural. A fotógrafa paraense Ana Mokarzel registrou pela segunda vez as comemorações. "A visão que eu tenho da festa é dessa cultura linda, dessa religiosidade forte e de como o profano e o religioso interagem. As pessoas respeitam os horários da Marujada e fecham os bares e outros locais voluntariamente", comentou, salientando a união dos bragantinos, pois a família toda participa da festividade, desde os pequenos aos mais idosos.
A Marujada também atraiu os olhares da fotógrafa Simone Blauth, de Porto Alegre, que, junto com outros fotógrafos, prepara material para compor o livro "Costa do Brasil", que retratará os costumes e tradições de comunidades brasileiras localizadas na beira da água, como as da Ilha do Marajó, Vigia e Algodoal, no Pará. A intenção é mostar como o povo vive e interage nestes lugares, explicou Blauth. "Acho que a Marujada é umas das representações mais fortes. Tem uma tradição muito verdadeira, sem muita interferência, e isso vale muito", comentou.
Segundo informações oficiais, a festividade deste ano atraiu cerca de 20% a mais de visitantes do que no ano passado. A participação da mídia também tem aumentado a cada edição, despertando ainda o interesse da mídia internacional. Esse ano, a novidade foi a cobertura total, com transmissão ao vivo de toda a procissão, feita pela TV Nazaré. A Rádio Educadora e o Jornal Tribuna do Caeté também cobriram os principais eventos da festividade.
Como no Círio de Nazaré, os moradores da cidade costumam pedir e agradecer as graças alcançadas durante o trajeto, onde são vistas réplicas de São Benedito e outros objetos. Foi o caso da estudante Marilza do Rosário, que carregava uma boneca vestida com as roupas típicas da festa, acompanhada da filha, Maise, de 2 anos. A promessa de saúde foi feita pela avó da criança e será cumprida por elas até os 3 anos de idade.
Outro que agradeceu uma graça alcançada foi o esmoleiro Benedito de Souza, nascido em Viseu, município vizinho. Com apenas três meses, ele contraiu "sarampo preto" e correu o risco de perder a visão. Com a plena recuperação, Benedito pretende pagar a promessa feita pela mãe, acompanhando a procissão todos os anos, mas a opção por se tornar esmoleiro foi pessoal. Ele contou que é recebido muito bem durante as peregrinações, iniciadas oito meses antes da festividade, quando os esmoleiros levam a palavra de Deus às residências do município e das regiões vizinhas, sendo recebidos e hospedados "como verdadeiros reis".
Após a procissão, foi celebrada uma missa campal em frente à igreja. Depois, música e dança tomaram conta da cidade - até o famoso abraço que marujos e marujas fazem ao redor da igreja, marcando oficialmente o início e o fim da festividade. Os festejos da Marujada, entretanto, seguem até o dia 31 de dezembro e 1º de janeiro, quando o bastão é passado pelo juiz e pela juíza da festa para os novos promesseiros, pretendentes inscritos na lista até 2017.
Fonte: Agência Pará.
Fotos: Divulgação.
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