sexta-feira, 31 de julho de 2009

Entrevista: OAB defende recall para cassar mandato

Política

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, anunciou que a entidade trabalhará pela aprovação do recall - instrumento semelhante a um referendo, pelo qual a população poderá se manifestar sobre a cassação ou não do mandato de determinado político que estiver envolvido em escândalos.

A medida está prevista na Proposta de Emenda Constitucional número 73/08, em tramitação no Senado. O texto foi elaborado pela própria OAB, na Campanha Nacional em Defesa da República e da Democracia, promovida pela entidade para destacar a importância da reforma política. A decisão de Britto de intensificar, tão logo o recesso parlamentar termine, o lobby em prol da proposta, decorre da atual crise vivida pelo Senado.

Atualmente, a proposta está emperrada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, à espera de ser incluída na pauta. Pela PEC, o recall poderá ser solicitado por até 2% dos eleitores, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), passado um ano desde a data da posse do presidente da República e membros do Congresso Nacional. Na avaliação de Cezar Britto, o recall é o meio mais legítimo para punir os políticos corruptos."É muito mais legitimo do que a cassação do parlamentar pelos seus pares. Quem vai cassar será o titular do direito, que é o cidadão", afirmou o advogado. A entrevista foi publicada ontem (30) no Jornal do Comércio (RJ):

P - Como seria esse recall?
R - Seria a cassação do mandato do parlamentar, como ocorre em vários países democráticos. Essa medida está prevista na Proposta de Emenda Constitucional 73/2005. O texto faz parte da Campanha Nacional em Defesa da República e da Democracia, lançada pela Ordem dos Advogados do Brasil, mas foi encampado pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP). O relator é o senador Pedro Simon (PMDB-RS). Ele já emitiu parecer favorável. Só que a proposta está parada, aguardando inclusão na pauta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado.

P - É o eleitor visto como cliente?
R - O mandato é uma representação. O parlamentar, governador, prefeito ou presidente representa o cidadão, que é o verdadeiro titular do direito. Ora, o cidadão, então, como titular desse direito, tem condições de revogar essa procuração. É como na relação entre cliente e advogado. Se o cliente não confia no profissional e entende que ele não é competente, pode, então, destitui-lo. A concessão do mandato não pode ser algo indissolúvel ou irrevogável.

P - Em que casos esse recall ocorreria?
R - Em caso de escândalos. Em casos que haja um motivo objetivo que possa, segundo o critério da Justiça eleitoral, justificar a perda da confiança. Se houver um escândalo, por exemplo, envolvendo um senador... Pela proposta, até 2% dos eleitores do estado a que ele pertence poderá solicitar ao Tribunal Superior Eleitoral a convocação de uma eleição para que a população diga se ainda confia ou não nele, ou seja, se ele deve ou não permanecer no mandato.

P - Mas muitas denúncias não chegam a ser confirmadas...
R - Aí o presidente da República poderá convocar uma eleição para a população confirmar ou não o mandato daquelas pessoas.

P - Hoje não é necessário um processo, no qual deve ser observada a ampla defesa, para que haja a cassação?
R - A proposta de revogação do mandato será analisada pelo Tribunal Superior Eleitoral, que verificará se a consulta tem caráter de perseguição política. Por exemplo, a Constituição garante que ninguém pode ser perseguido por suas convicções. No entanto, se ele é eleito com o discurso de combater determinadas coisas e depois faz o oposto, será que a atitude dele justificaria a manutenção do mandato? Isso caberá ao TSE.

P - Esse instrumento não poderia acabar sendo mal utilizado?
R - Acho que isso é muito mais legítimo do que a cassação do parlamentar pelos seus pares. Quem vai cassar será o titular do direito, que é o cidadão. É muito diferente da perda do mandato pelo parlamento, por falta de ética ou decoro parlamentar. Veja o que diz a redação do projeto: "Transcorrido um ano da data da posse nos respectivos cargos, o presidente da República, ou os membros do Congresso Nacional, poderão ter seus mandatos revogados por referendo popular, na forma do disposto nos parágrafos seguintes. Parágrafo primeiro: O mandato de senador poderá ser revogado pelo eleitorado do estado por ele representado. Parágrafo segundo: O eleitorado nacional poderá decidir a dissolução da Câmara dos Deputados, convocando-se nova eleição, que será realizada no prazo máximo de três meses. Parágrafo terceiro: O referendo previsto neste artigo realizar-se-á por iniciativa popular, dirigida ao Superior Tribunal Eleitoral, e exercida, conforme o caso, mediante a assinatura de 2% do eleitorado nacional. distribuído pelo menos por sete estados". A proposta institui os requisitos que já há para o referendo popular também para a possibilidade de se cassar a mandato. Esse é um instrumento utilizado em muitos países. Também é importante lembrar: segundo o projeto, uma vez confirmado o mandato, não poderá ser convocado outro referendo, pelo menos naquele período legislativo. Ou seja, se o resultado for contrário a revogação do mandato, não poderá haver outra consulta popular até o término da legislatura.

P - O parlamentar poderá recorrer ao Judiciário contra eventual resultado negativo na consulta?
R - Não. A decisão é soberana.

P - Muitos políticos renunciam para evitar a cassação. O que o projeto prevê para impedir que alguns se utilizem desse artifício na iminência de passarem pela consulta popular?
R - Essa (proposta) não (prevê), mas outra relacionada à reforma política estabelece que a renúncia não deve impedir o prosseguimento do processo, assim como a aplicação da inelegibilidade. São várias propostas que apresentamos. Em relação à inelegibilidade, propomos alterações. Hoje, ela começa a contar a partir do término do mandato. Defendemos que seja a partir do trânsito em julgado. Às vezes, decreta-se a perda da legibilidade por três anos, mas o processo demorou quatro anos para ser concluído. A medida, então, não surtiu efeito.

P - Como será a atuação da OAB?
R - Vamos trabalhar para que a PEC seja incluída na pauta. Temos que compreender que democracia é para suprir o povo. Não se pode, então, excluir do povo a possibilidade de revogar quem ele quer que o represente no poder. Quem pode mais, pode menos, Ou seja, se o cidadão pode indicar, também pode revogar essa mesma indicação. Esse é o sentido do referendo.

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