segunda-feira, 4 de julho de 2011

Domésticos dependem de legislação

Brasil votou por garantias para a categoria, mas precisa rever lei

Texto: Cleide Magalhães

Reportagem especial – Jornal Amazônia

03/07/2011

Os empregados domésticos passarão a ter os mesmos direitos dos outros trabalhadores brasileiros. A decisão é da Comissão de Proteção Social da Organização Internacional do Trabalho (OIT), durante a última Convenção, realizada em junho, em Genebra, na Suíça. O Brasil votou a favor, mas para garantir os direiros precisa ainda mudar a Constituição, o que depende de aprovação no Congresso Nacional. O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, disse que fará proposta à presidente Dilma para buscar assegurar os direitos.

Segundo o advogado previdenciarista Humberto Tommasi, sócio-diretor do Instituto Nacional de Ensino Jurídico Avançado (Ineja), na esfera previdenciária os empregados domésticos passarão a contar com o salário-família, que consiste em uma ajuda para sustentar os filhos menores de 14 anos. Na esfera trabalhista, o avanço é maior, pois será assegurado ao empregado doméstico os direitos ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), seguro desemprego, PIS, hora extra e jornada de trabalho fixa.

'No Brasil, a aprovação desse projeto representará um avanço. Trata-se da igualdade previdenciária de um grupo significativo de trabalhadores que sempre esteve à margem das principais conquistas legais na esfera do Trabalho. Oportunizará uma melhor qualidade de vida e dignidade ao trabalhador e trabalhadora doméstica', diz o advogado.

Mas se a lei estivesse aprovada hoje milhares de trabalhadores no País ainda não teriam seus direitos atendidos, pois ainda estão à margem da sociedade, não possuem garantias mínimas de cidadania e inclusão social. Dos cerca de 6,7 milhões de empregados domésticos brasileiros somente 1 milhão deles (15%) seriam beneficiados, pois são os que têm registro legal, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

No Pará, a exclusão social também persiste. Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos do Estado do Pará (Dieese-PA) mostram que 87% dos trabalhadores domésticos do Estado estão atualmente na informalidade, ou seja, dos 222 mil, em torno de 194 mil não possuem qualquer tipo de seguridade social ou direito trabalhista.

Ainda segundo informações do Dieese-PA, a idade que concentra o maior de número de trabalhadores domésticos em todo o Pará compreende a faixa de 30 a 39 anos. São cerca de 70 mil indivíduos, o equivalente a 30,09% do total de paraenses. A maioria dos ocupados nesta idade são mulheres, alcançando o número de 63.440 A segunda maior concentração está entre 40 a 49 anos, com 38.460 trabalhadores, 17,28% do total.

Uma das empregadas domésticas que está no perfil de maior concentração é Rosa Maria Gomes, maranhense, 47 anos. Desde que chegou em Belém, há 23 anos, trabalha de carteira asssinada como doméstica e afirma que caso tenha os mesmos direitos dos demais trabalhadores brasileiros sua vida será melhor. 'É muito bom ter carteira assinada, porque posso me planejar com o orçamento do mês. Com a lei, vai ser bem melhor porque a categoria precisa de mais apoio, uma vez que nossa responsabilidade é grande, principalmente quando os donos da casa estão fora. Infelizmente, muitas pessoas que conheço trabalham como doméstica sem carteira assinada. Entendo que isso depende da consciência do empregado e empregador', disse Rosa, que trabalha cerca de oito horas por dia, fora final de semana e feriado.

Carga horária, hoje, é de mais de 44 horas semanais, apurou Dieese

Em relação à carga horária, a pesquisa do Dieese mostra que 67,22 mil pessoas, 30,21%, trabalham mais de 44 horas, tempo superior ao permitido por lei. Por outro lado, somente 24% dos trabalhadores domésticos permanecem de dois a quatro anos no emprego. Cerca de 22% ficam por apenas cinco meses. Aponta também que 49% das pessoas neste ramo duram, no máximo, um ano em ocupações domésticas e uma fatia menor de 13% corresponde àqueles que conseguem se estender por mais de dezanos.

Segundo Humberto Tommasi, a informalidade impede o acesso aos direitos trabalhistas e previdenciários, engrossando as filas da assistência social, que precisa arcar com o sustento de milhões de brasileiros, que facilmente teriam a proteção previdenciária concedida, caso tivessem sido bem orientados quando estavam na ativa. 'A propaganda negativa que o governo federal faz a respeito da Previdência Social afasta os trabalhadores de sua proteção, estimulando a informalidade e prejudicando a economia do País'.

José Nogueira, presidente do Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado do Pará, afirma ser a favor da mudança na lei, mas mostra-se preocupado quanto à possibilidade de haver aumento no desemprego. 'Hoje nem todos os empregadores são empregadores 100%. Há no sindicato empregadores domésticos que também são trabalhadores domésticos. Além disso, o governo não oferece subsídios aos empregadores, que têm que arcar com todas as cargas tributárias. Para se manter hoje um empregado doméstico que ganha um salário mínimo (R$ 545,00) o gasto total ao empregador é de cerca de R$ 1 mil mensal. É importante melhorar as questões sociais voltadas ao empregador, para que eles possam ter condições de pagar bem seu empregado', considera.

O doutor em Economia e presidente do Conselho Regional de Economia do Estado do Pará (Corecon-PA), Eduardo José da Costa, aponta a reforma tributária como uma das soluções para ajudar com que empregadores possam ampliar o trabalho formal dos trabalhadores domésticos no País. 'É um tema que precisa revisto. Hoje, quem ganha menos paga de forma proporcional mais impostos. As classes baixas e médias precisam ser contempladas com uma reforma tributária que alivie a sua carga de impostos e permitam que a renda disponível para consumo (após recolhimentos dos impostos diretos e indiretos) aumente. Com isto se estimularia o crescimento da economia brasileira na medida em que estas classes teriam mais renda para serem gastas com consumo. Hoje, o maior ônus para os empregadores, sem dúvida, não é o salário dos trabalhadores, mas os elevados encargos tributários da contratação. Na prática, o aumento de encargos para o empregador será de apenas 8%, correspondente ao FGTS', explica.

Economista afirma que todos ganham com igualdade trabalhista

Para o presidente do Corecon-PA, Eduardo José da Costa, a mudança é positiva diante do fato de a sociedade brasileira viver um momento de significativas transformações sociais. 'O empregado doméstico é um trabalhador como qualquer outro e é natural seu direito possa ser estabelecidos, regulamentados e respeitados, mas, principalmente, igualados aos demais trabalhadores. É um trabalho nobre e fundamental, porém é intenso, cansativo e ainda pouco valorizado. É imprescindível, portanto, que esta mão de obra possa ser valorizada e reconhecida, por isso o estabelecimento de uma jornada de trabalho justa, limitando as horas trabalhadas e o estabelecimento de pelo menos um dia de descanso na semana. Em suma, todos ganham com isto, principalmente a sociedade brasileira, que busca um processo paulatino de inclusão social e aumento da cidadania', disse.

Quanto à economia do País, Eduardo adianta que em um curto prazo haverá um período natural de ajustes e incertezas, mas afirma não ter dúvida que em um longo prazo será positivo para o Brasil e Pará. 'Esta discussão traz para a pauta de debate o direito dos trabalhadores domésticos ao FGTS, a uma jornada de trabalho de até 44 horas semanais e a garantia de pagamento de hora extra trabalhada e adicional noturno para quem trabalha depois das 22h'.

Por outro lado, o economista lembra que uma sociedade na qual há a garantia de direitos fundamentais dos trabalhadores a economia é mais estável e tem maiores possibilidades de crescimento sustentável. 'Estas medidas se forem adotadas plenamente no Brasil irão, sem dúvida, fomentar o processo de mobilidade social pelo qual a sociedade brasileira já está passando, irá estimular o consumo, o investimento e o aumento do nível de empregos no mercado de trabalho. É um efeito multiplicador no qual todos ganham'.

Pesquisa que virou livro revela que é possível valorizar a ocupação

Para construir um entendimento mais humanitário acerca da categoria, propiciando uma nova visão da importância do trabalho doméstico na constituição familiar, a professora de Direito Cláudia Cavalcante Normando, elaborou dissertação de mestrado intitulada 'Trabalho doméstico: valores jurídicos e dignidade humana', que resultou na publicação de um livro com o mesmo tema. Cláudia, que é empregadora de Rosa Gomes, há 20 anos, explica que a pesquisa evidenciou alguns aspectos relevantes do trabalho doméstico. 'O trabalho doméstico ainda é observado e praticado com a percepção de que o empregado é, necessariamente, inferior do ponto de vista humano, diante do posicionamento social e psicológico enfatizado nesta relação trabalhista. Essa realidade agrava-se devido à falta de reflexão, tanto do empregado como do empregador, diante das atitudes violadoras aos direitos humanos. O empregador abusa no seu poder diretivo, sem ter consciência de fazê-lo.

Na seara jurídica, o estudo comprova que a relação trabalhista doméstica significa desrespeito aos princípios da dignidade humana: igualdade, liberdade e não discriminação. 'Este último é violado, inclusive, quando a legislação reguladora do trabalho doméstico dispõe de forma diferenciada quanto a direitos inerentes a qualquer relação trabalhista'.

A pesquisa salienta que o trabalho doméstico tem peculiaridades, mas tal fato não justifica a discriminação. 'É necessário reformular os critérios jurídicos para análise do labor doméstico, mediante o uso da principiologia, justificando a concessão de direitos trabalhistas nos direitos humanos e nos direitos fundamentais, levando em conta as especificidades domésticas e de forma igualitária aos trabalhadores em geral. Através de uma ação conjunta dos operadores do direito, bem como com a participação dos diversos setores sociais, pode-se atribuir valorização ao trabalho doméstico, resgatando do empregado sua dignidade humana e, do empregador, uma efetiva consciência de que seu poder diretivo não significa poder arbitrário'.

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