“Gostaria que alguém tivesse me contado sobre o passar do tempo: Que depois dos vinte e cinco anos, cada ano passa duas vezes mais rápido, e que depois dos sessenta, cada ano passa dez vezes mais.” (Richard Edler)
Fundamental é a experiência de um profissional em suas atividades. Não bastam os cursos de especializações, mestrados ou doutorados, se o conhecimento prático, as experiência vividas, os conceitos adquiridos ao longo do tempo estiverem em menor intensidade, sobretudo se o profissional for médico e trabalhe com a arte de ensinar e praticar a medicina; para muitos seria um semideus, por ter conhecimento e capacidade de lidar com a vida e a morte, por haver quase sempre uma empatia do médico com seu paciente, e o ato médico ser mais humano e menos instrumental que a prática de hoje. Podemos dizer com isso, que havia um “glamour” no exercício da profissão médica, em épocas passadas. No entanto, pela mercantilizarão, pelo julgamento intempestivo de suas ações, e crescimento de outras profissões que concorriam paralelamente, isso se foi, e o respeito aos esculápios não é mais o mesmo, desapareceu a aura, e caiu em desencanto.
Há 40 anos, os alunos de medicina estudavam, na década de 60 do século passado, numa fase social crítica, em um regime de governo militar de exceção, pois sabemos que, em 31 de março de 1964, uma insurreição com a participação de civis às casernas passou a conduzir os destinos dos pais, por uma ação militar que derrubou o governo do então presidente João Goulart. Em 1969, quando essa turma de medicina, a qual me inclui, terminava seu curso médico, vivenciávamos o ato Institucional nº. 5 (1968), o principal instrumento do Estado de exceção, desde o início da revolução militar. “Brasil ame-o ou deixe-o” era o lema da época.
Contraposto a esses fatos, acontecia a explosão musical dos Beatles, da Jovem guarda liderada por Roberto Carlos, da Bossa Nova, de Simonal, dos Festivais de Música Popular Brasileira, que evidenciaram Chico Buarque, Nara, Gil, Caetano, Vandré, do amigo da onça na criação imortal de Péricles, e do cinema de arte nas manhãs de sábado no cinema Olímpia, onde lá se exibiam La Belle de Jour, Fellini, La Luna, Viridiana, Cidadão Kane e outras pérolas do cinema. As noites de Belém corriam soltas por conta do Palácio dos Bares, Mon ami, Pagode chinês, Papa Jimmy e outras casas noturnas da cidade à época, que eram o entretenimento de parte dos futuros médicos, após noites de estudos.
Na área acadêmica havia a generosidade do hospital mãe dos estudantes de medicina da época, a Santa Casa de Misericórdia do Pará, pois lá estavam as grandes Cátedras de professores do ensino do Pará, como da Neurologia, Psiquiatria, Ginecologia e Obstetrícia, Anatomia patológica, Dermatologia, Pediatria, Histologia e outros. Era uma fase áurea do curso de medicina da Universidade Federal do Pará, já que havia o compromisso de todos com a formação do profissional. O curso era longo, seis anos, mas sempre vivenciados no período pelos mesmos alunos, sem fragmentação, como no posterior regime de créditos da Universidade, a partir das leis de Diretrizes e Bases de 1970. Os médicos lá formados, não necessitavam, em sua maior parte, de cursos fora de Belém como complementação, pois já saiam preparados para a função que vida lhe preparava, ou seja, sentar-se a beira do leito de um paciente e minorar seus sofrimentos.
Os calouros da turma de medicina da UFPA de 1969 portavam com vaidade uma boina de cor verde em cima de uma cabeça raspada e que os identificavam como futuros médicos, já que a boina dos advogados era vermelha, do engenheiro era azul, e da odontologia, cor de vinho. Esses mesmos colegas aprovados conviveram por seis anos lado a lado, tornando-se uma irmandade eterna.
O destino se encarregou de direcioná-los. Grande parte continua médicos, outros políticos, militares, professores, gestores públicos, outros se aposentaram e, finalmente, aqueles que foram para a vida eterna, ao longo desta feliz e inesquecível caminhada.
Concluo com a frase final do orador oficial da turma de medicina de 1969, no Teatro da Paz, Dr. Martinho Borges da Fonseca Araújo e que, hoje, habita no céu: “Médico, a última esperança que chega sempre primeiro”.
Por: Murilo Morhy, médico e professor.
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