“Pra lhes começar contando / Sem medo, raiva, nem pressa / O começo de uma história / No instante em que ela começa (Venina, Pajé-Sacaca)”. As palavras foram escritas no Twitter de Walter Freitas em 28 de fevereiro deste ano. Remetem à introdução de uma história qualquer, até lembram o cordel nas rimas, mas eis que topamos com a expressão “pajé-sacaca” e, de repente, vem o estranhamento. Estamos no universo da religião, que é quase mito, em que se transfigura uma realidade, tornando-se metáfora. E tudo isso toma termo em apenas duas palavras: Fundo Reyno. São elas que intitulam o espetáculo do músico e dramaturgo paraense que entra em temporada nessa quarta-feira, 18.
Se é próprio da arte causar estranhamento e, se apenas desse estado de vulnerabilidade intelectual e sensitiva, da sensação de se pisar em terreno desconhecido, provém a experiência estética, Fundo Reyno traz todos os elementos para tal fim. A sua Amazônia é uma de encantarias, em que duas pajés-sacacas – denominação dada aos curandeiros mais poderosos, com domínio sobre a flora – envoltas em um quadrilátero amoroso, disputam a posse da chave que lhes abre todo o poder mágico do fundo das águas.
Concebido de forma a convidar o público ao mergulho nos mistérios dessa profundeza amazônica, que só encontra par na alma humana, a intenção fica visível desde a divulgação: nas fotos que trazem rostos em fundo preto, ostentando uma iluminação barroca, num cuidadoso traçado de luz e sombra; na frase com um quê shakespeariano que acompanha o teaser: “intriga, sexo, feitiço, traição e morte nos rios da Amazônia”.
Entretanto, além do texto, há o subtexto. A história das sacacas em busca da chave é também fábula sobre a sede de poder e da luta pela posso dele, traduzida na inclemência dos corações fechados e na crueldade humana. Com um elenco bastante reduzido, o trunfo do espetáculo não parece estar em reviravoltas de texto ou tramas paralelas. Há apenas 7 personagens – três deles músicos da Folia – que desfilam por entre cenografias, figurinos, luzes e formas de vestir, de ver de ouvir; aparato técnico que convida o público a se sentir parte do ambiente.
Walter Freitas, mais conhecido pelo trabalho musical, já foi premiado por seu trabalho em teatro com o Prêmio Waldemar Henrique de Dramaturgia, pela ópera "Hánêreá - Lendas Amazônicas"; com a publicação de seu texto infanto-juvenil "Fiau Babau"; com o Prêmio IAP de Literatura pela ópera "DeZmemórias", sobre os dez anos de morte do seringueiro Chico Mendes; além de ter seu mini-texto "A Cuia Mágica", encenado e lançado em edição bilíngue em Paris, por um grupo de teatro francês. Fundo Reyno dá continuidade à trajetória. A encenação, fruto de uma pesquisa realizada por Walter Freitas na Vila da Barca, onde foi feito o estudo e captura de tipos, comportamento e ações utilizados na peça, foi vencedora do Prêmio Myriam Muniz de Teatro, da Funarte.
Elenco:
Juliana Medeiros - Pajé-Sacaca Venina
Pauli Banhos - Viúva Zulmira
Wellingta Macêdo - Nhá Luca / O Bicho
Andréa Rocha - Antero Denizar
Mônica Lima - Bandeireiro da Folia
Akel Fares - Rabequeiro da Folia
Walter Freitas - Violeiro da Folia
Maurício Franco - Cenário e Figurinos
Tiago Ferradaes - Design de Luz
Pauli Banhos - Assistente de Direção
Luciana Medeiros - Assessoria de Imprensa
Jaime Souzza – Fotografia
Nhãnhã Çayré - Design Gráfico
Mindiyara Uakti – Partituras
Waldiney Machado - Confecção de Tambores
Pedro Bolão do Laguinho - Caixa de Marabaixo (Macapá-AP)
Cristina Costa – Produção
Walter Freitas - Música, Direção Musical, Dramaturgia e Direção Geral
Espetáculo “Fundo Reyno”
Data: 18 a 28 de março
Horário: 20h
Local: Teatro Waldemar Henrique
End.: Av. Presidente Vargas, 645/ Praça da República
Ingressos: R$ 10,00 (c/ meia entrada) na bilheteria do Teatro
Venda antecipada: R$ 8,00 na loja Ná Figueredo – Av. Gentil Bittencourt, 449.
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