Texto: Cleide Magalhães
Edição: Márcia Azevedo
A passagem dos carros, durante a procissão do Círio de Nazaré, arranca aplausos da população. Eles são símbolos tradicionais da manifestação católica e desfilam contando a história de devoção de quem teve graças alcançadas. Miniaturas de casas em madeira, partes do corpo humano confeccionadas em cera, velas e muitas outras peças, depositadas dentro dos carros, representam os agradecimentos dos romeiros.
Os tipos de carros são três: dos milagres, das promessas e dos anjos. O carro dos anjos foi incluso na procissão em 1855, chamado de carro do anjo Custódio, para lembrar a graça alcançada pelo vice-presidente da província do Grão-Pará Ângelo Custódio, que ao ver a filha doente fez um pedido à Virgem de Nazaré. Hoje, o carro dos anjos está dividido em quatro, dois com alegorias e dois que levam crianças promesseiras vestidas de anjinhos: anjo Gabriel, anjo Davi, anjo Arcanjo e anjo Josué.
Maria das Graças dos Anjos, 61 anos, que mora no Parque Verde, é devota de Nossa Senhora de Nazaré desde criança. Há 19 anos ela se envolve com ações da igreja católica e durante esse tempo acompanha o carro do anjo Josué. Todos os anos ela paga uma promessa diferente e este ano sua caminhada será para agradecer pela vida da neta.
'Minha netinha, que tem três anos, estava brincando com amigos, no dia 29 de maio deste ano, e de repente passou mal e foi parar na UTI do Pronto-Socorro Municipal apresentando pneumonia severa e diabetes. Foi um momento de desespero para toda a família porque ela ficou em coma durante uma semana na UTI e sem esperança de vida. Me peguei com Nossa Senhora e pedi para salvar a vida da criança. Hoje, ela está bem e vive brincando por aí. Mais uma graça alcancei e vou agradecer na procissão do Círio junto com mais 19 pessoas da minha família, das quais nove são crianças', conta Maria, que não consegue falar sobre a Santa sem chorar.
As nove crianças da família de Maria vão acompanhar a procissão todas vestidas de anjos, com roupas que ela mesma costura. 'Eu gosto de me envolver por completo na festividade e faço a roupa das crianças todos os anos. Já próximo do Círio começo a comprar o material, talho o tecido e costuro. Não tem muito mistério porque os modelos são simples e são utilizados poucos materiais: cetim, renda e fitilho', explica.
Criatividade transforma papelão, cartolina e papel em asas
A neta de Maria das Graças, Gisele Anjos, 26 anos, técnica em ótica, também ajuda a preparar as crianças. Ela faz as asas que serão usadas durante a procissão. O material necessário é reciclado: papelão, cartolina e papel crepom.
Gisele conta que há oito anos levou no carro do anjo Josué a própria filha, que ainda era criancinha. Este ano, Gisele volta ao carro dos anjos com os três filhos, que têm entre 3 e 8 anos. 'Vamos por devoção à Santa e agradecer pela saúde da minha sobrinha, sobre a qual minha avó falou, pois não temos dúvidas de que foi ela foi salva por Deus e Nossa Senhora de Nazaré. É muito bom ir no carro dos anjos, é um sentimento que não tem preço'.
Maria de Fátima Lameira, coordenadora do carro do anjo Josué, conta que há cerca de 45 anos os carros são organizados e coordenados somente por casais. Ao todo são cinco casais, sendo que um deles faz a coordenação geral dos carros. Cada carro comporta 50 crianças, que têm entre 3 e 10 anos, e conta com 120 voluntários que fazem o cordão de isolamento e empurram o carro. 'Todo mundo é guardado por algum anjo, e os carros são importantes porque muitas pessoas acreditam em anjo da guarda e pedem proteção', afirma Maria de Fátima.
Ela conta que, em um ano, na subida do Boulevard Castilhos França, uma loja pegou fogo e a corda do Círio teve que ir por dentro do Comércio, saindo quase em cima do carro dos anjos, quebrando o cordão de isolamento. 'Conseguimos conter a situação e foi tudo bem. Algumas crianças choram e os pais as tiram antes do final da procissão, mas muitas delas gostam de estar lá', diz.
Os pais podem inscrever suas crianças para participar do carro dos anjos todos os anos, na Basílica de Nazaré, desde 1º de setembro. São cadastradas 40 crianças e dez vagas são reservadas para crianças que vêm do interior. As roupas usadas pelas crianças em Belém são doadas para outros municípios que realizam círios, para serem reaproveitadas.
Reportagem especial publicada no jornal Amazônia, em 10 de outubro de 2010, dia do Círio de Nossa Senhora de Nazaré.
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