Ideia é fazer com que donos de cães não vejam ruas como "banheiro"
Reportagem especial do Jornal Amazônia - 19/02/2012
Por: Cleide Magalhães
Caminhando pelas ruas de Belém é possível perceber o descaso com que a própria população vem tratando a cidade. Ao longo do trajeto para casa ou para o trabalho, a sujeira que toma conta de calçadas, canteiros e praças dificilmente passa despercebida. Restos não somente de comida, pedaços de papelão, jornais, mas todo tipo pode ser encontrado. Diante de um cenário como este, não causa espanto que velhos hábitos apareçam como os vilões que ameaçam a saúde da população.
Guiados por donos sem educação, que veem o passeio com o cachorro como uma alternativa para se livrar dos cuidados com a higiene, muitos cães são ensinados a usar os espaços públicos para "ir ao banheiro". O problema, no entanto, está naqueles donos que não recolhem os dejetos deixados pelo cão ao longo do caminho.
Para tentar fazer com que este convívio seja mais harmonioso, foi aprovada a Lei Ordinária 8.249, de 31 de julho de 2003, que dispõe sobre a obrigatoriedade de condutores de cães e gatos, carregarem sacos plásticos e pás para o recolhimento de dejetos deixados pelos respectivos animais. Anterior a lei 8.249, a Lei Ordinária 7.831, de 30 de abril de 1997, trazia a proibição de bicicletas nas praças e já mencionava os animais. "Nas praças públicas deste município, no horário compreendido entre as seis e nove horas e dezesseis e vinte horas, fica proibida a circulação de maiores de doze anos em bicicletas e de cães com seus respectivos condutores".
Entretanto, o que se constata pelos espaços públicos da cidade é que ambas não tiveram eficácia e, nesse caso em especial, a 8.249 não teve ação contínua pela gestão municipal. Resultado: a população ainda convive com esse péssimo hábito.
Um dos espaços da cidade em que todos os dias dezenas de animais e seus donos caminham livremente, sempre no começo da manhã e final da tarde, é a praça Batista Campos. Um agente da Guarda Municipal, que trabalha no lugar há dois anos, fala das dificuldades que enfrenta ao orientar os donos de animais que frequentam o local.
"Algumas pessoas são conscientes, mas a maioria não traz o saquinho nem papel para recolher os dejetos dos animais e colocar no lixo. Sempre falamos da importância de se manter os cuidados, porém muitos agem com autoritarismo e perguntam se sabemos com quem estamos falando. Chegamos a dizer sobre a lei que existe, mas reagem, afirmam não saber e que não existe nenhuma placa que os proíba, enfim... é uma tarefa árdua. A gente recebe queixa sobre essa sujeira das pessoas que utilizam a praça para outras atividades e se sentem incomodados. Se tivesse alguma placa indicando a proibição ajudaria muito o nosso trabalho, as pessoas nos respeitariam e seriam um pouco mais conscientes", desabafa o agente municipal, que pediu para não ser identificado.
Mais do que recurso punitivo, lei busca conscientizar a população
Luciele Rodrigues, de 26 anos, conta que a consciência sobre a necessidade de ensinar seu cão da raça poodle veio apenas após a mudança da casa em que morava, na Cremação, para um conjunto residencial de classe média, no bairro do Bengui, onde placas informando sobre a lei foram afixadas. "Quando morava na Cremação eu não sabia que existia lei, andava com meu cachorro pelas ruas do bairro e ele por lá mesmo fazia suas necessidades. Quando mudei pra cá, vi as placas pelo conjunto, observei que as pessoas tinham mais cuidado com os dejetos dos animais e passei a fazer o mesmo", observa.
Neste ponto, a servidora pública Carolina Mergulhão, 28 anos, difere-se de Luciele. Carolina afirma que conhece outras cidades brasileiras que já tratam a questão com seriedade, mas explica que sua consciência vem também de berço. "Venho com meu cachorro passear na praça e em algumas ruas da cidade toda tarde e trago sempre dois sacos plásticos, oriento o cão sobre os espaços em que pode urinar e fazer cocô, junto o material e jogo no lixo. Essa é uma obrigação do dono do animal. Além disso, é uma questão de higiene e aprendi isso em casa", diz a servidora.
Na regulamentação da lei, feita naquele mesmo ano, o então prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues (PT), determinou que a Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan) fosse o órgão responsável por fazer cumprir a lei, que estabelece ao infrator as penalidades de advertência, multa de, no mínimo, R$ 100,00 e a apreensão do animal. "O objetivo é educar por meio da orientação dos agentes da Sesan e da Guarda Municipal. A multa não tem como finalidade arrecadar recurso, mas mostrar à sociedade que o Estado precisa agir para fazer cumprir as normas e mostrar o que é o dever de todos. Esperamos que a lei ainda receba a atenção que merece e seja cumprida, porque isso é um investimento social, é uma questão de educação ambiental e saúde pública", afirmou Edmilson, hoje deputado estadual (PSOL).
O secretário municipal de Saneamento, Ivan José dos Santos, desconhece a regulamentação da lei e ressalta que por isso a determinação não atingiu sua finalidade. "A lei foi feita, mas não encaminhada corretamente", interpreta.
Entretanto, o secretário enfatiza que, a partir desta reportagem, a questão será tratada com prioridade. "Ficamos agradecidos por este veículo cobrar a atuação dos órgãos municipais. A partir de agora, a implementação da lei será imediata. Já definimos que à frente da ação estará o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) e a Secretaria Municipal de Saúde (Sesma). Seremos multiplicadores de informação e faremos ampla campanha para a divulgação da lei", afirma o titular da Sesan.
Iniciativa - Outra iniciativa, segundo o secretário da Sesan, que estará ligada à implementação da lei 8.249 e poderá também conservar a cidade trata-se do Projeto "Grande Cidadão", lançado recentemente pela prefeitura de Belém. O objetivo é homenagear pessoas que, por conta própria, praticam ações de zelar pelo espaço público, com ações de preservação, conservação, reparos e limpeza de qualquer logradouro de Belém
Saúde do animal precisa ser mantida em dia
Segundo o médico veterinário Júlio Fernandes, professor do curso de Pós-Graduação em Saúde Animal na Amazônia da Universidade Federal do Pará (UFPA), embora a procura por animais de companhia aumente a cada ano e muitos sejam tratados como membros da família, esse convívio pode representar um risco à saúde humana. Mas o perigo quase deixa de existir se os donos ficarem atentos às medidas de prevenção de doenças.
Alguns cuidados fundamentais são recolher as fezes dos animais do chão, com auxílio de uma luva ou saco plástico; levar os animais periodicamente ao veterinário para uma avaliação geral; vacinar e vermifugar os animais regularmente; manter a higiene periódica dos animais domésticos, assim como de seus abrigos e utensílios e lavar sempre as mãos antes e depois de brincar com os animais e antes de manipular os alimentos.
Contudo, Júlio Fernandes, coordenador do projeto de extensão Ação Cívico Social da Medicina Veterinária (ACISO VET), do campus da UFPA em Castanhal, alerta que os animais podem ser portadores de doenças que acometem os seres humanos, conhecidas como zoonoses. "Uma das mais importantes, da qual o cão e o gato são hospedeiros definitivos é o agente etiológico (causador) da larva migrans visceral, Toxocara sp. Apesar da maioria dos casos ser assintomático, a doença pode produzir múltiplos quadros clínicos, incluindo manifestações alérgicas, fraqueza crônica, dor abdominal, além da forma visceral clássica da doença, marcada por comprometimento hepático e pulmonar. Existe, ainda, a alocação ocular, que pode causar cegueira em crianças, grupo mais sensível a esses helmintos. A infecção ocorre após a ingestão acidental dos ovos eliminados nas fezes", explica.
Concomitante a isso estão os parasitos hematófagos (que se alimentam de sangue dos cães), cujas larvas penetram ativamente através da pele humana e realizam migração errática, causando dermatite (inflamação na pele) em graus variados, seguida de grande desconforto local, caracterizando a doença conhecida como "bicho geográfico". Crianças em parques ou praças públicas compõem o principal grupo de risco.
Outra doença transmitida pelas fezes, neste caso, somente as dos gatos é a toxoplasmose. "Ela tem como agente causador o protozoário Toxoplasma gondii. É uma zoonose muito importante, pois pode causar aborto ou deformidade do feto.Infelizmente, por falta de conhecimento, o gato é relatado como vilão, mas a principal fonte de infecção para os seres humanos é a ingestão de carne crua ou mal passada, contendo o cisto na musculatura", alerta o médico.
O projeto ACISO VET atua nos municípios do interior do Pará. Visa minimizar a falta de atendimento aos animais, disseminar o conhecimento sobre cuidados e posse responsável, além de realizar atendimentos clínicos. Até agora, campanhas foram organizadas em Igarapé-Açu e Algodoal, nordeste do Estado, com perspectiva de realização em outras comunidades.
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