segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Belém faz 396 anos tomada por favelas

Texto: Cleide Magalhães

Reportagem Especial publicada no jornal Amazônia

Data: 08/12/2012

Moradores de áreas sem infraestrutura não comemoram

Belém completa 396 anos de fundação na próxima quinta-feira, 12, e o poder público municipal afirma ter motivos para comemorar a data com ações em diversas áreas. Pelas ruas da cidade, porém, o que se verifica, principalmente na periferia, é que a população não tem tanta razão para festejar. Nesses quase 400 anos da cidade, o belenense enfrenta muitas dificuldades, que vão da baixa renda e escolaridade até a falta de condições dignas de moradia.

No mês passado, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o levantamento de aglomerados subnormais no País. O mapa das favelas e comunidades com no mínimo 51 domicílios inclui barracos, casas ou outras moradias consideradas carentes. A Região Metropolitana de Belém (RMB) - que abrange os municípios de Ananindeua, Belém, Benevides, Marituba, Santa Isabel e Santa Bárbara - ganhou destaque com dados assustadores: a pesquisa revela que a RMB concentra 89% das pessoas em aglomerados subnormais do Pará. São 1.131.268 moradores nessas condições, o que corresponde a 52% de toda a população da RMB (2.097.287). É a maior proporção de pessoas em favelas entre todas as regiões metropolitanas do País.

O arquiteto e urbanista Paulo de Castro Ribeiro, graduado pela Universidade Federal do Pará (UFPA), especialista em Planejamento e Transporte Urbano e mestre em Arquitetura, avalia que parte desse quadro é reflexo de uma conjuntura regional. 'Ao longo de sua história, Belém vivenciou conjunturas regionais nas quais ocorreram grandes fluxos migratórios para diversas atividades, desde o ciclo da borracha, no final do século XIX, até os grandes projetos, com destaque aos do século XX, os quais não tiveram sustentabilidade econômica, não conseguiram absorver o fluxo migratório nem se fixar na região e buscaram, então, a principal metrópole de referência (Belém) para garantir seu sustento', diz.

Foi assim que começou o processo de ocupação que caracteriza os aglomerados subnormais. 'Ele acontece em terrenos públicos e privados e algumas áreas já estão consolidadas, como as periferias da Marambaia, Sacramenta, Telégrafo, Jurunas e outras. Nelas, hoje nem existe mais espaço para moradia. A partir da década de 1970, esse tipo de ocupação se estendeu ao longo dos corredores da BR-316 e da rodovia Augusto Montenegro', afirma.

Os habitantes sofrem, nessas áreas, as consequências da falta de serviços e de infraestrutura urbana necessários à garantia de qualidade de vida. 'Falta destino final adequado para o lixo, abastecimento de água, asfaltamento, pavimentação de ruas, proteção das bacias hidrográficas e mananciais de água, drenagem, rede de esgotamento sanitário nem se fala, pois este não tem nem nos bairros nobres da cidade, como o Umarizal. Todos os empreendimentos que surgem na rodovia Augusto Montenegro, nenhum deles têm sua rede porque ela não existe na cidade. É uma condição extremamente precária', alerta.

A baixada da Estrada Nova Jurunas aparece no estudo do IBGE como a maior favela de Belém e a quinta em todo o Brasil. Com 53.129 moradores, ela só fica atrás da Rocinha (RJ), com 69.161 residentes. Completam a lista dos mais populosos aglomerados subnormais do Pará as baixadas da Condor, com 38.873 moradores; Bacia do Tucunduba - Terra Firme, com 35.111 moradores; Bacia do Una-Telégrafo, com 30.094; Baixada do Guamá, com 29.609; Bacia do Una-Barreiro, com 26 003; e Bacia do Tucunduba-Guamá, com 21 656.

Esgotamento - Quarenta por cento do Estado, segundo o IBGE, ainda não têm acesso à água tratada e apenas 6% dos domicílios de Belém tem acesso à rede geral de esgoto. Além disso, não há uma política de tratamento dos resíduos e praticamente todos os municípios do Pará ainda despejam resíduos sólidos em vazadouros a céu aberto, entre eles está a capital. Há previsão de melhoria ainda tímida: até 2014 rede de esgoto poderá chegar a 10% os domicílios. O pequeno salto será dado com as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Prefeito lista realizações, destacando áreas de educação e saúde

A gestão municipal diz realizar grandes obras na sua administração nas áreas de saúde, educação, infraestrutura, juventude, esporte e lazer e cultura, razões para se comemorar o aniversário da cidade. 'Nós realizamos muitas coisas que vão ficar sem dúvida na lembrança, na memória e na história da cidade de Belém. É muita coisa para comemorar. Eu me sinto satisfeito com os resultados que a gente alcançou', afirma o prefeito Duciomar Costa.

Um dos pontos fortes é a educação. Ele destaca que os professores foram qualificados e reconhecidos e mais de 14 escolas foram inauguradas. 'Na educação infantil Belém só tinha 26 escolas, hoje são 41, incluindo as seis ecoescolas. O ensino fundamental tinha 59 escolas, hoje tem 63 e mais seis serão inauguradas ainda este ano. As escolas das ilhas são um bom exemplo, com merenda de qualidade e em muitas são usados insumos dos produtores da comunidade. Hoje essas escolas têm banheiros de qualidade, boa iluminação e gerador próprio. Todas as escolas da rede municipal foram reformadas, tem biblioteca e quadra coberta. Nós também investimos no transporte escolar'.

Na área da saúde ele ressalta que há atividades focadas na prevenção e afirma que, no ano passado, reduziu o número de casos de dengue em mais de 30%, e a média dos últimos seis anos ficou em 55%. Os casos de malária cairam 98%. Além disso, inaugurou o Centro de Especialidades Médicas e Odontológicas (Cemo), com tratamento de urgência e emergência 24 horas. Além da inauguração da ala pediátrica do Pronto-Socorro da travessa 14 de Março e o anexo deste Pronto-Socorro com 65 novos leitos e em Mosqueiro, a reforma do hospital com 22 novos leitos. Mas foi também na sua gestão que a saúde sofreu um 'apagão médico', em novembro de 2011, quando 180 dos 350 médicos da Cooperativa dos Profissionais da Saúde da Amazônia (Amazomcoop), que atuavam na rede pública de urgência e emergência da região metropolitana de Belém, foram dispensados pela Secretaria de Saúde e a ausência deles provocou uma crise.

'Concentramos esforços na saúde e sabemos que ainda é preciso investir muito mais nessa área e fortalecer ainda a atenção básica. Quanto à questão dos médicos, temos avançado e procurado ocupar essas vagas para garantir que as pessoas tenham um atendimento de qualidade quando procurem os nossos atendimentos públicos', disse o prefeito.

Na área de saneamento afirma que, em menos de sete anos, foram asfaltadas 2,5 mil ruas e poderá chegar a 3 mil no final da gestão. Sobre a questão do lixo, Duciomar afirma a cidade conta com vários pontos de entulhos, porém destaca que hoje cerca de 90% do lixo doméstico é coletado. 'Esse lixo não é o que dá a sensação de sujeira na cidade. O que dá a sensação de uma cidade suja é o entulho, que se por um lado mostra que hoje as pessoas já estão tendo condições de fazer reforma em casa, por outro lado aquele resto de material ou até mesmo de limpeza de quintal é jogado na rua sem a menor preocupação, enquanto a legislação é muito clara e diz que a responsabilidade é de quem produz o entulho. E a cidade de fato tem vários pontos como estes. Fazemos um trabalho forte com a Secretaria de Saneamento de conscientização, com os donos dos carrinhos que muitas vezes recebem para recolher esses entulhos e depositam nas margens dos canais. Estamos tentando dar a eles capacitação para mudar de ramo. Alguns já estão empregados, mas precisamos dar as mãos para a população. A prefeitura sozinha não consegue solucionar o problema. É preciso cuidar de Belém', disse Duciomar.

Terra firme tem problemas de sobra à comunidade

Na Terra Firme a população reclama de problemas sérios, como a miséria, a falta saneamento básico e a violência. Pelas avenidas, ruas, passagens e becos do bairro muitas famílias se sentem reféns dos bandidos e muitas pessoas andam sobressaltadas pela área, onde a falta políticas públicas abre espaço para que impere a 'lei do silêncio'.

'Os principais problemas são a violência e constantes assaltos, além da falta de atendimento médico, mas isso não é só neste bairro, e sim em toda a cidade. A gente não consegue trabalhar direito, tendo a sensação de correr risco de morte. Nas unidades de saúde e hospitais de urgência e emergência o atendimento ainda é ruim, pois falta médico, falta leito, atenção enfim. Por essas razões, vejo que falta muito para Belém ser uma cidade em que sejamos felizes e tenhamos o que comemorar no seu aniversário', desabafou um peixeiro.

Portal da Amazônia seria bom presente, mas obra está muito atrasada

Entre as obras feitas em Belém, Paulo Ribeiro afirma que a drenagem da bacia do Una foi uma das mais importantes. Entre as 14 bacias existentes em Belém, ele destaca ainda que a macrodrenagem da Estrada Nova poderá ser um bom presente para a cidade. Nessa área está o projeto Portal da Amazônia, que se arrasta desde 2008.

Na opinião do estanceiro e carpinteiro Lucivaldo Carvalho, 33 anos, que partiu há dois anos do município de Portel, na ilha do Marajó, para Belém em busca oportunidades, um dos melhores presentes que Belém precisa ter é a sua orla aberta e de frente para o rio. "Se essa obra do Portal terminasse seria bom, porque tá demorando muito, desde que cheguei aqui ouço falar nesse projeto. Passo quase todos os dias pela Estada Nova e vejo que o trabalho de construção está lento", verifica.

O projeto consiste na construção de uma avenida na beira do rio com quatro pistas e área de lazer e circulação, composta por passeio público, ciclovias, estacionamento, quadras poliesportivas e parques infantis, com um perímetro de construção de 6,6 mil metros - com início às proximidades do Mangal das Garças, na Cidade Velha, e término na Universidade Federal do Pará (UFPA), no Guamá.

Esse talvez seja o maior projeto da atual administração, pelo menos é o que considera o prefeito Duciomar Costa (PDT). "Vamos estar com quase 30% do andamento concluído, dar tratamento nos canais, uma operação que muda a vida de 300 mil pessoas diretamente. São dez bairros atendidos pelo Portal, uma obra completa que tem também as estações de tratamento de esgotos. O projeto prevê ainda o remanejamento de pessoas que moram hoje sobre os canais, as quais serão realocadas para até 1 km de onde moram hoje, para garantir que não sejam quebrados os laços construídos durante anos", disseo gestor.

A obra consumirá cerca de R$ 1 bilhão em recursos da União liberados pelo Ministério das Cidades, pelo Ministério do Turismo, pelo PAC e também com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A previsão de entrega, prorrogada várias vezes, é de mais 18 meses.

Para o arquiteto e urbanista Paulo de Castro Ribeiro existe hoje cenário econômico nacional favorável para Belém e melhorá-la consiste atuar em dois principais níveis. "Belém não pode ser pensada de forma isolada, é fundamental que haja integração e entrosamento entre pelo menos as prefeituras mais próximas da RMB, para tratar de determinados assuntos que são graves como os assentamentos subnormais e contar com a participação do Estado, porque hoje a RMB detém 1/3 do Produto Interno Bruto do Estado".

No âmbito interno, ele destaca que é fundamental dar importância ao papel de regulação que cabe à administração municipal no processo de crescimento da cidade. "A ação deve ser feita por meio de instrumentos eficazes, que podem potencializar e melhorar determinadas áreas a partir da vitalidade do setor imobiliário, por exemplo. Mas para isso precisa ter planejamento e o papel de regulador do processo, e não deixar as coisas acontecerem de forma discriminada", orienta.

4 comentários:

  1. MUito bom o texto Cleide. Parabéns pela reflexão.

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  2. Obrigada. E ainda pagam a Ivete Sangalo com nosso dinheiro para fazer a festa com o povo. Para comemorar o quê?!

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  3. Obrigada.Não dá mesmo para dizer que está tudo uma maravilha...

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