quarta-feira, 6 de abril de 2011

Jovens migram para a carceragem

Recuperação de infratores ainda é gargalo no Estado do Pará

Por: Cleide Magalhães

Reportagem Especial publicada no jornal Amazônia – 03/03/2011

Muitos dos adolescentes egressos do sistema socioeducativo brasileiro continuam na criminalidade e passam a fazer parte do sistema penal carcerário do País e do Pará, que conta com 11. 598 presos para 6.525 vagas nas cadeias do Sistema Prisional. Uma das explicações para essa realidade são as políticas públicas deficitárias voltadas aos adolescentes que cometeram ato infracional.

A promotora de Justiça da Infância e da Juventude do Ministério Público do Estado (MPE), Ione Silva de Sousa Nunes, explica que as medidas socioeducativas são sentenciadas pela Justiça e envolvem a advertência, liberdade assistida, prestação de serviços à comunidade, semiliberdade, internação e reparação de dano. A responsabilidade da liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade cabem ao município. Semiliberdade e internação, ao Estado.

Entretanto, ela afirma que há deficiências no serviço prestado, principalmente, pelo município e os resultados não são positivos refletindo na prisão do adolescente no sistema carcerário. "Para ajudar os adolescentes e ajudar na sua melhoria falta apoio técnico, capacitação dos servidores, educação, convênios, profissionalização, entre outras coisas. Diante desses problema
s, muitos deles progridem com os delitos, que em 80% dos casos são contra o patrimônio. Com isso, partem para as etapas de internação e regime semi-aberto e fechado. A proposta do Estatuto da Criança e do Adolescente é reestruturar os adolescentes em conflito com a lei para a vida adulta, mas diante desses problemas e da condição socioeconômica muitos vão parar no Sistema Penal. A questão maior que implica nisso é a falta de investimentos, somos carentes de políticas públicas para a juventude", ressaltou a promotora.

Dados da Divisão de Atendimento ao Adolescente (Data) da Polícia Civil mostram que no primeiro trimestre desde ano, foram feitos um total de 466 procedimentos com adolescentes infratores envolvendo casos de furtos até homicídios. Deles, 159 eram roubos s
imples e qualificados. No último dia 24, havia no Pará 291 adolescentes presos, que estão sob tutela do Estado, nos somente três municípios pólos em que existem unidades de medidas socioeducativas no Pará. Desses, 181 eram presos com sentença judicial, dos quais 139 em Belém, 28 em Santarém e 14 em Marabá; e 110 provisórios, que aguardam sentença judicial, deles 82 em Belém, 13 em Santarém e 15 em Marabá.

Mesmo depois que uma adolescente, de 15 anos, em novembro de 2007, que foi presa com 20 homens em uma cela em Abaetetuba, nordeste paraense, tendo vários de seus direitos violados, ainda hoje não há espaço de atendimento socioeducativo feminino no interior do Estado. As meninas que cometem atos infracionais no interior do Pará são trazidas para Belém onde cumprem a pena, "rompendo com o vínculo familiar - o que prejudica sua recuperação e melhoria de vida da adolescente. Os meninos que são do interior dos municípios pólos enfrentam também esse problema familiar, alguns têm apenas contato telefônico com a família uma vez por semana e ainda há situações em que a ligação não completa. Muitas vezes nos deparamos com graves casos em que os adolescentes são dependentes de drogas e quando estão deprimidos - por conta da abstinência - não há tratamento porque o serviço que existe é apenas ambulatorial e não é o suficiente para atender a essa séria problemática", denunciou Ione Nunes.

Na opinião da promotora de Justiça, se o Estado investir em medidas preventivas há possibilidade de melhorar a situação e atacar a causa do problema, ao invés de continuar a trabalhar somente as consequências deixadas pelas lacunas que existem hoje nas medidas socioeducativas.

Tratamento desconsidera o ECA, diz jornalista

Para atender 800 crianças e adolescentes que se encontram em situações de vulnerabilidade social, o Instituto Universidade Popular (Unipop), executa o Programa de Promoção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes em Instituições Assistenciais e Judiciais no Estado do Pará, em uma parceria que envolve várias organizações da sociedade civil.

O objetivo, segundo o jornalista Max Costa, que coordena equipe multidisciplinar do programa, é atuar no combate a qualquer tipo de violação de direitos de crianças e adolescentes que estão em conflito com a lei e estão sob a tutela do Estado, seja cumprindo medida socioeducativa de privação de liberdade de internação ou semiliberdade, nos espaços da Fundação da Criança e do Adolescente do Pará (Funcap), ou em meio aberto, como liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade em espaços assistenciais como os Centros de Referência Especializados em Assistência Social (Creas).

"Os adolescentes que estão em conflito com a lei foram condenados à privação de liberdade ou medida socioeducativa e não a terem seus outros direitos negados como saúde, educação e lazer. Mas, infelizmente, o que verificamos durante pesquisa é que o Estado é o primeiro a violar esses direitos. Quando falo de estado não é governo, mas de instituição, pois o adolescente que está lá não tem estrutura para construir um novo projeto de vida. Muitas vezes eles entram nesses espaços e saem pior que eram, porque sequer são asseguradas as normas do ECA e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo", avaliou Max, que é mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Pará (UFPA).

Programa fez pesquisa para traçar perfil do público atendido

Nesse momento, o programa do Unipop está em processo de finalização de pesquisa quantitativa e qualitativa realizada com 20% dos adolescentes que hoje estão sob a tutela do Estado. A pesquisa se estende também para a mesma percentagem de pessoas que têm contatos com eles como familiares e agentes de proteção - monitores, equipe técnica, cozinheiros, porteiros e gerentes.

A pesquisa, explica Max Costa, vai mapear como está a realidade do atendimento socioeducativo no Estado do Pará dando suporte às demais ações do programa. Recentemente, foi feito o processo formativo com educadores sociais, que receberam informações sobre compreensão da realidade social, direitos humanos, cidadania, proteção social, adolescência, drogas, sexualidade e configurações atuais das famílias para que possam ser disseminadores desses assuntos nas rodas de conversa com os atores sociais envolvidos: adolescentes, familiares, servidores, agentes de segurança pública, conselheiros tutelares, gerentes, e organizações da sociedade civil que trabalham no acolhimento de adolescentes. "Vamos mostrar que acreditamos neles, lutamos pelos seus direitos e que eles têm também deveres e devem ser responsabilizados", ponderou. A meta para este ano é atingir 300 adolescentes, 200 familiares, 200 agentes de proteção dos direitos de crianças e adolescentes, 50 conselheiros tutelares e 150 policiais militares e civis.

Após o diagnóstico da pesquisa, ela será levado ao conhecimento da sociedade por meio de seminários, audiências públicas, sessões especiais nas Câmaras Municipais e Assembleia Legislativa do Estado, e reuniões com a Defensoria Pública e Ministério Público do Estado. "Vamos mostrar o estudo, propor soluções e avaliar ações de intervenção para reverter essa situação. Acreditamos que os adolescentes podem corrigir seus erros e serem ressocializados, mas é preciso que a rede de garantia de direitos, que a política de Estado funcione, oferecendo, por exemplo, espaço de cultura e lazer nos bairros periféricos, atividade extracurricular na educação como formas de incluí-los na sociedade. Precisamos parar de apenas condenar os adolescentes porque eles não estão somente matando, mas também morrendo e a criminalidade continua crescendo. Isso prova que sociedade civil e Estado têm que somar forças e atuar de forma correta para diminuir a violência e resolver esse problema social", disse o coordenador do programa, que é financiado pela União Europeia e Cristian Aid, organismo financeiro internacional.

O Mapa da Violência no Brasil divulgado recentemente mostra que o Pará é o terceiro estado mais violento do País. O índice de homicídio entre jovens, nos últimos 10 anos, cresceu mais de 200%. Itupiranga é a cidade mais violenta do País.

Coordenadora garante que Creas dão atenção especial a jovens

Dados da Fundação Papa João XXIII (Funpapa) que se encontram em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto mais de 100 adolescentes em liberdade assistida e mais de 100 em prestação de serviços à comunidade. Segundo Ivone Maia, coordenadora de um dos Centros de Referência Especializado em Assistência Social (Creas) da Funpapa, os adolescentes que chegam aos 12 Cras "recebem atenção e são encaminhados conforme suas necessidades. A equipe de profissionais envolvidos procura extrair o máximo de informações possíveis para que o atendimento seja de fato eficiente e a família tenha suas garantias previstas em lei".

Ela ressaltou que o município dispõe parte do recurso (sem falar em valores) vindos do Tesouro Municipal e parte vem do Governo Federal e afirmou que é necessário se haja articulação com outras políticas como educação e saúde de qualidade, programa de geração de emprego e renda, habitações de qualidade. "Digo isto porque se formos verificar a maioria dos adolescentes estão com baixa escolaridade ou nem mesmo são alfabetizados, moram em áreas bastante precarizadas e são submetidos a todas as formas de violência, inclusive a violência da fome".

Diante disso, falou da urgência em se fazer uma política efetiva e adiantou que o Crea construiu o Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo, que necessitará de aprovação tanto no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente quanto na Câmara Municipal, para que possam ser asseguradas as políticas voltadas para a proteção integral de crianças e adolescentes, conforme determina o ECA.

"Essa rede local deve articular o maior número possível de organizações, com destaque para as que representam o poder público municipal, os conselhos de direitos e tutelares, a Justiça da Infância e Juventude, as entidades de atendimento, o Ministério Público, os órgãos de segurança Pública, a Defensoria Pública, os centros de defesa de direitos e todas as demais organizações representativas da comunidade dispostas a contribuir".

Ivone Maia destacou que, além dos Creas, existem programas de transferência de renda e, recentemente, foi crido o Centro de Capacitação Profissional que busca executar cursos profissionalizantes para as famílias advindas do Programa Bolsa Família.

Funcap pretende resolver os nós da questão


A presidente da Fundação da Criança e do Adolescente do Pará (Funcap), Ana Célia Cruz, afirmou que este ano serão resolvidos alguns nós da questão no Estado. Vão ser entregues dois grandes espaços de internações: de Benevides, para superação da ocupação de espaço da delegacia do Telégrafo e da Seccional Urbana de Val-de-Caes; e Ananindeua, que é também espaço de internação masculina de sentenciados. Parte da obra foi financiada pelo governo federal e outra pelo estadual.

Nessas unidades o Ministério Público do Estado tentou inclusive formar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Funcap para desativar, principalmente, a Delegacia do Telégrafo porque o MPE entendeu que não há a mínima condição de o adolescente permanecer nesse espaço.
Ela disse também a Funcap trabalha a transferência do Centro Integrado, para o qual é feito projeto arquitetônico para adaptação da antiga escola Cearense, onde vão ser instalados os órgãos que atuam na área da Infância e Adolescência no Estado.

Diante das dificuldades de orçamento que ainda é do Plano Plurianual (PPA) anterior e hoje restam R$ 17,24 milhões para serem aplicados em custeio, a presidente da Funcap garantiu que a instituição e o Governo do Estado não vão deixar de ter novas obras e novos investimentos. "Isso vai depender muito do reordenamento dos investimentos que vamos fazer, sejam nas manutenções, reformas, ampliações e novas construções".

A atual gestão já trabalha o novo PPA para os próximos quatro anos e as prioridades, segundo Ana Célia Cruz, são a qualificação e padronização no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, desde o projeto arquitetônico às metodologias usadas no sistema socioeducativo, ampliação de metas e reedição de programa de atendimento a egressos e programa especializado de atenção integral às famílias. Além da implementação do número de oportunidades à qualificação e geração de renda e inserção de mercado por meio de estágios remunerados, cursos de qualificação, iniciativa de grupos organizados.

2 comentários:

  1. Olá Cleide,

    Gostei muito do seu blog e a postagem a respeito dos jovens migrarem para a carceragem é de excelente conteúdo. Parabéns!
    Carihoso e fraternal abraço,
    Vovó Lili

    ResponderExcluir
  2. Grata pelo seu comentário. Continue colaborando com a gente. Abraço.

    ResponderExcluir