quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Prefeito de Manaus insulta paraense e manda ela 'morrer'

Por: Cleide Magalhães

Reportagem publicada nos jornais O Liberal e Amazônia, em 23/02/2011

A frase mais polêmica da declaração do prefeito de Manaus (AM), Amazonino Mendes (PTB), 'então morra, minha filha, morra!', durante bate-boca com a doméstica paraense Laudelice Paiva, 37 anos, durante visita na comunidade Santa Marta, zona norte da capital, onde uma casa desabou, no último domingo, matando uma mulher e duas crianças, era o que ela menos esperava ouvir de um gestor municipal no momento de caos em que ela cobrava ações do poder público.

'Durante o alagamento, que começou no sábado passado, quase perdi meus filhos. Ficamos sem praticamente nada que tínhamos na casa, perdi meu emprego porque não pude trabalhar nesses dias. Diante de tudo isso, fiz um apelo ao prefeito para nos ajudar porque todos os moradores estavam em área alagada e na beira do igarapé. Então, ele rebateu com ignorância, disse que existiam pessoas em situações piores. Falei que estava no local porque não tinha condições de ter uma moradia digna e ele falou ‘então, morra’. Reclamei porque ele apareceu somente anteontem no local. Aí Amazonino me questionou sobre minha origem e eu disse que era do Pará. Ele, com preconceito, disse que ‘tudo estava explicado’. Retruquei enfatizando que era paraense sim, digna e honesta', conta.

Laudelice, que está separada há quatro meses do marido, afirma sentir-se triste porque vive situação financeira difícil com seus sete filhos, que têm entre 3 e 21 anos, e ainda serve de chacota pelas ruas. "Quando passo as pessoas dizem 'lá vem a mulher do Amazonino'. Fico mal porque fui discriminada, não vejo graça nisso. Acredito que fico mais sensibilizada porque não temos com quem contar aqui. Se tivesse alguém para me ajudar, ia processá-lo. Ontem, finalmente, conseguimos uma kitnet para ficar mantida pela prefeitura".

A pobreza e a falta de oportunidades é a situação social que reflete na vida de Laudelice. Ela partiu do município de Prainha, no oeste do Pará, onde trabalhava na roça, rumo a Manaus há oito anos em busca de uma tão sonhada "vida melhor" para ela e sua família. Mas ao chegar na capital se deparou com diversos problemas urbanos e sempre viveu em situação difícil na periferia da cidade. Antes de morar na comunidade Santa Marta, vivia na comunidade de São Luis.

Comportamento hostil de prefeito provoca reação de paraenses que moram em Manaus

A postura do prefeito provocou ainda a reação de paraenses que moram em Manaus e solidariedade a Laudelice. Para o presidente do Conselho Regional de Economia do Amazonas, Erivaldo Lopes, que mora em Manaus há 28 anos e contribui para o desenvolvimento da sociedade do Estado ao lecionar em uma universidade de Manaus, a frase foi absurda.

"Foi uma frase grotesca, infeliz, e falta de comprometimento e equilíbrio de um gestor público, o qual ainda afirmou que 'a situação estava explicada por ela ser paraense'. É uma ironia tentar colocar a culpa de alguns problemas sociais que ocorrem Manus nos paraenses, muita gente aqui trabalha para o desenvolvimento da cidade e do estado. A situação envolve uma condição social e acontece no Brasil. Sua atitude foi bem desfavorável para um gestor público, principalmente quando ocorre um desabamento porque naquele momento a paraense buscava uma esperança e solução para o problema não somente dela, mas de todos que estavam lá e na comunidade Santa Marta não há somente paraenses", defende Erivaldo.

O articulista de O LIBERAL, professor José Seráfico, que mora em Manaus há 44 anos, considera que as palavras do prefeito Amazonino é mais uma manifestação de sua decadência política e que ele já não percebe que a demagogia já não leva a lugar nenhum na política. "Não é mero acaso que é ocaso (decadência) político dele e descaso com a população", ironiza de forma poética. O senador paraense Eduardo Braga (PMDB/AM) disse a um veículo de comunicação de Manaus: "foi uma declaração muito infeliz", informou sua assessoria de imprensa.

Para o sociólogo e professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará (UFPA), Raimundo Jorge de Jesus, a postura do prefeito foi hostil e sua colocação faz parte de um discurso preconceituoso criado desde o período conhecido como “belle époque” na Amazônia, ocorrido entre 1850 e 1920, quando esta era a maior produtora de borracha do mundo.

"Nessa época, as elites do Pará e Amazonas entraram em confronto defendendo seus interesses, então começa a produção de um discurso no qual se atribui aos paraenses os problemas sociais ocorridos no Amazonas. Depois dessa fase, esse preconceito ainda permanece e é bem mais percebido nos manauaras com relação aos paraenses. Hoje os poucos recursos que vem para ambas as regiões também são objetos de disputa. Diante disso, o migrante é sempre visto como a fonte dos problemas sociais, mas estes são gerados pelo processo de modernização das cidades, que contam com a falta de políticas públicas", explica.

Leia o diálogo travado entre os dois divulgado no Youtube:

Laudelice: Mas nós estamos morando aqui, prefeito, porque nós não temos condição de ter uma moradia digna.

Prefeito: Minha filha, então, morra. Morra. Minha filha, não fale besteira. Minha filha, não diga besteira, não diga besteira. Você é de onde?

Laudelice: Eu moro aqui...

Prefeito: Você é de onde?

Laudelice: Eu sou do Pará.

Prefeito: Então, pronto. Está explicado.

Clique aqui e acompanhe o diálogo

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