segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Decadência de área atrai a bandidagem

Por: Cleide Magalhães

Edição: Ana Danin

Terreno e antigo clube de empresa no Tapanã estão abandonados

Decadente e abandonado. Esse é o estado em que se encontra o prédio e a extensa área onde funcionava o Clube dos Sócios da Petrobras, na Rodovia do Tapanã, bairro que também abrigou a Base do Tapanã, como era chamada a base da Petrobras em Belém.

O local não parece em nada com aquele da euforia dos tempos áureos da pesquisa de petróleo na Amazônia. Há quase dois anos, o extenso terreno em que ficava o clube tira o sossego de grande parte das cerca de 80 mil pessoas que vivem no bairro. A área, que tem em torno de 600 metros de comprimento e 200 de largura, serve de depósito para vários tipos de lixos e entulhos, os matos atingem cerca de dois metros de altura (ou até mais) propiciando a ocorrência de crimes no local. Sofre também com a falta de iluminação e metade do terreno já abriga duas áreas de ocupações - Renascer e Lula da Silva -, que contam com cerca de 220 famílias, as quais vivem em situação nos últimos três anos.

Segundo a vice-presidente do Conselho Comunitário de Segurança e Cidadania do Tapanã (Consseg), Araceli Cavalcante, quando existia o clube o espaço era aberto à comunidade e a realidade diferente da qual os moradores hoje se deparam. "Isso era uma beleza, tinham ações do Ministério Público com a comunidade para emissão de documentos e atendimentos jurídicos. Todos usufruíam das piscinas, quadras de esporte e lazer, saunas, enfim. Mas, em 2007 começou a crise, a empresa foi para Manaus (AM) e, por volta de 2009, aconteceu total destruição com saqueamentos de tudo que tinha no clube. O poder público não fez esforço para evitar que o fato ocorresse e os moradores do bairro perderam muito com isso, porque até agora não temos espaço para realizarmos nossas atividades", lamenta.

Segundo Araceli, a comunidade luta para que o terreno do antigo Clube dos Sócios da Petrobras se torne área que ofereça esporte, cultura, entretenimento e lazer à população, principalmente para a juventude. "A gestão da Petrobras nos informou que o prédio estava sendo negociado com a gestão anterior do governo do Estado. No ano passado, nos reunimos com a chefia da Casa Civil, a qual ficou de conseguir a área para desenvolvermos durante 15 anos projetos elaborados pelo Conselho voltados à criação de uma Seccional Urbana e a Praça da Juventude, que visa garantir ações preventivas e educacionais para moradores do Tapanã e mais sete bairros que formam o Distrito Administrativo do Bengui. Mas, o ideal é que o governo faça a desapropriação e repasse a área para que possamos implementar os projetos de forma permanente", disse a dirigente comunitária.

Polícia militar diz que não tem registros de crimes no local

Segundo o comandante da 23ª Zona de Policiamento (Zpol), o capitão Nelson Norat, embora parte da área esteja desabitada e propícia para o cometimento de crimes, além de ser dotada de carência social, a Polícia Militar não tem registro de casos ilícitos que ocorram ao entorno nem dentro do terreno. Ele afirma ainda que no Tapanã quatro viaturas da PM fazem rondas durante 24 horas por dia e que os crimes têm diminuído.

O capitão Mourão, subcomandante da 23ª Zpol, lembra que para a polícia ter ação mais eficaz é necessário que haja iniciativa conjunta de todos os órgãos do poder público. Ele ressalta que a melhoria obtida no Tapanã se deve também à parceria que a PM tem com a comunidade, por meio do Consseg. "Toda semana nos reunimos com os moradores e discutimos as demandas da área - o que nos ajuda bastante a identificar a situação e direcionar nossas ações", disse.

Silêncio - Para avaliar se houve queda nos índices de atos ilícitos ocorridos no Tapanã, a reportagem solicitou à assessoria de imprensa da PM dados do Comando de Polícia Militar da Capital (CPC), feito pelo Centro Estratégico da Polícia Militar, que recebe os números do Sistema Integrado de Segurança Pública e apontam que os casos de roubos em geral, mas até o fechamento da edição não obteve resposta.

Moradores das ocupações vizinhas vivem em meio à pobreza

Uma das moradoras da área de ocupação Renascer é a dona de casa Eliane Fernandes, 25 anos. A jovem, que tem marido, um filho de 6 anos e está grávida de 7 meses, divide ainda a pequena casa em madeira com seu irmão. Ela conta que morava com a mãe no bairro da Terra Firme e recebeu de seu pai o terreno há cerca de um ano e meio. "Viemos para cá porque não temos onde morar nem condições para pagar aluguel. Meu esposo é ajudante de pedreiro e ganha pouco". Na ocupação os moradores não têm saneamento básico e enfrentam extrema pobreza. "Encaramos sérios problemas como falta de luz, água e segurança. Muitas pessoas não têm nem banheiro. Mesmo com as dificuldades precisamos continuar aqui".

Terreno em desuso vira e mexe é cobiçado por grupos sem-teto

Por acreditar que algum dia os projetos da comunidade saiam do papel, membros do Consseg e alguns moradores da área, com apoio da 23ª Zona de Policiamento (Zpol), que abrange os bairros do Tapanã e Pratinha, da Polícia Militar (PM) do Estado, já conseguiram desmobilizar, por três vezes, movimentos que tentavam ocupar outra parte da área. "Sempre há tentativa de nova ocupação e tentamos evitar dialogando com as pessoas a não fazerem isso porque, se os projetos acontecerem, todos os moradores serão beneficiados. Desse forma, observamos que há interesses comuns entre as pessoas, mas se nossas iniciativas não saírem do papel a situação fica mais complicada", alerta Max Leal, presidente do Consseg.

Casa Civil diz que parceria ainda não existe

A assessoria de imprensa da Casa Civil, por meio de nota, informa que não consta no protocolo da Casa nenhuma solicitação do Conselho Comunitário de Segurança e Cidadania do Tapanã envolvendo a área onde funcionava o Clube dos Funcionários da Petrobrás. Afirma ainda que "como a promessa - que não foi concretizada - de que o local seria desapropriado ou alugado para abrigar projetos sociais partiu apenas de uma conversa entre a comunidade e o antigo chefe da Casa Civil, sem a elaboração de nenhum documento, a atual gestão ainda não tem conhecimento da situação". A comunidade foi aconselhada (pela Casa Civil) a oficializar o pedido, por escrito, e disse que vai analisá-lo e depois se pronunciar sobre o assunto.

A Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan) esclarece que a coleta de lixo domiciliar no bairro do Tapanã é regular, havendo tipos diferenciados de roteiro de coleta - diurno, noturno e dias alternados da semana. Ressalta ainda que alguns moradores não colaboram, "colocando o lixo depois que o carro coletor já passou". Quanto ao entulho, afirma a Sesan, a coleta é feita uma vez por semana, "mas se houver grande quantidade de resíduos, o serviço poderá ser feito até três vezes durante a semana".

A Sesan informou que ainda na sexta-feira passada faria levantamento da situação do trecho da rodovia do Tapanã, em frente ao antigo prédio da Petrobrás, e providenciaria a coleta. Reclamações à Sesan sobre a coleta de lixo e de entulho podem ser feitas para 0800-095-3560.

Reportagem especial publicada no jornal Amazônia, dia 13/02/2011.


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Amebíase é ameaça constante

Por: Cleide Magalhães

Edição: Márcia do Carmo

Estudo revelou que hortaliças vendidas em supermercado e 6 feiras de Belém estão contaminadas por parasita

A falta ou precariedade de saneamento básico na cidade favorece, nesta época de chuva, ao aumento dos casos de amebíase. Mais vulneráveis por ignorar os perigos de tomar banho e brincar nas enxurradas, valas e canais, crianças geralmente são as que mais se contaminam pelo protozoário Entamoeba histolytica, que transmite a doença ao homem.

Uma outra forma de contaminação da doença e que serve de alerta à população pode acontecer por meio do consumo de hortaliças cruas vendidas nas feiras e em supermercados da cidade. A dissertação de mestrado apresentada em 2010 pelo estudante Samuel da Luz Borges, do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará (UFPA), intitulada "Frequência e diversidade de enteroparasitos veiculados por hortaliças comercializadas na cidade de Belém-PA e sua relação com a sazonalidade climática", constatou que alface, coentro e agrião vendidos em uma rede de supermercados e seis feiras de Belém estavam todos contaminados por enteroparasitas. "Para nossa surpresa todas as amostras analisadas deram positivas para um ou mais enteroarasitose. A contaminação veio de três hortas que abastecem parte das feiras de Belém, que regavam as hortaliças com água contaminada. Esse resultado nos deixou perplexos, pois não é isso que queremos ou desejamos para a população", ressaltou Evander Batista, pesquisador e professor de Parasitologia do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará (UFPA), que foi orientador da dissertação. A tese foi submetida para a publicação em uma revista inglesa especializada, a Food Control.

O Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará (UFPA) continua a pesquisa sobre o parasita. Uma delas, intitulada "Estudo de Novos quimioterápicos em Entamoeba histolytica", é feita pela estudante de mestrado Betânia Mara Alvarenga, que está na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, testando novas drogas contra o para protozoário da doença.

Segundo Evander Batista, a amebíase é uma doença tropical e adquirida através da ingestão de água e alimentos contaminados com as fezes humanas, pois é nela (fezes) que é eliminado o cisto, que causa a infecção. "Quando alguém tem um protozoário no intestino e defeca onde, por exemplo, não tem saneamento básico, pode ocorrer a contaminação do leito de água, do alimento, da fruta, de hortaliças, enfim... Se a pessoa ingerir água onde há o cisto este torna-se o protozoário que vai habitar e desenvolver a doença. A transmissão da doença por insetos ocorre menos e acontece se uma mosca contaminada pousar nas frutas que não são lavadas antes da ingestão. A doença atinge mais as crianças da periferia porque são mais vulneráveis. Entre homens e mulheres, acomete mais os homens, mas ainda não há explicação científica para isso", afirma Evander Batista, que é ainda doutor em Parasitologia Humana.

Uma pessoa pode se infectar várias vezes

A mesma pessoa pode ser infectada várias vezes e o protozoário da amebíase pode ou não causar sintomas. "A doença pode ser assintomática e pessoa pode até ser portadora do protozoário, e não apresentar quadro nenhum clínico. Mas quando a doença se desenvolve, o tempo de incubação é de cinco e sete dias até que se manifestem os sintomas, tempo em que ele se transformam em trofozoítos, que se movimentam e causam a doença". Os principais sintomas são leves dores na barriga e no abdômen, ou quadro graves de diarréia ou disenteria, que é a diarréia com sangramento nas fezes. Sem tratamento adequado, a doença pode levar à morte.

Evander Batista orienta que a prevenção correta da amebíase é aquela que muitas pessoas sabem, mas poucas fazem. "É fundamental cuidar bem da água e alimentos que serão ingeridos, lavar as mãos antes das refeições e depois de uso de sanitários, lavar bem as hortaliças ingeridas cruas, como alface, agrião e coentro, se possível ferver e filtrar a água e etc...", aconselha.

Doença atinge 50 milhões no mundo todo

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), há 50 milhões de novas infecções por ano e 70.000 mortes. A disenteria amébica é mais prevalente nos países tropicais, mas também ocorre nas zonas temperadas e mesmo frias. Na África, Ásia tropical e América Latina, mais de dois terços da população terá estes parasitas intestinais, apesar da maioria das infecções ser praticamente assintomática. Ao contrário do que se pode pensar, não se restringe apenas a países tropicais, mas é freqüente também nos países de clima frio. A falta de condições higiênicas adequadas é a responsável por sua disseminação.

No Brasil, estima-se que a prevalência média de infecção pela Entamoeba, sintomática ou não, é de aproximadamente 23% da população. No entanto, o país tem áreas de endemicidade onde esta taxa pode estar dobrada, e regiões onde praticamente não há casos. A infecção assintomática é mais encontrada em países, como Estados Unidos, Canadá e países da Europa. As formas graves de disenteria amebiana têm sido registradas com mais freqüência na América do Sul, na Índia, no Egito e no México.

No Pará, Exames necessários ao diagnóstico deixam a desejar

O diagnóstico da doença no Pará só é obtido, principalmente, por meio de exames parasitológicos das fezes. O resultado é positivo quando o loboratorista encontra a presença de cistos do protozoário nas fezes. No entanto, afirma o pesquisador, "esse tipo de exame não determina se de fato o indivíduo é portador de Entamoeba histolytica (parasita) ou de Entamoeba díspar (não parasita). Embora o parasita viva no intestino, ele o perfura e vai para outros órgãos internos causando abcesso hepático. Quando o médico examina a pessoa ele não sabe exatamente se o abcesso foi provocado por ameabistolite ou outro agente".

Para garantir diagnóstico preciso da doença, o Núcleo de Medicina Tropical da UFPA busca implementar ainda este ano o exame por meio da sorologia do paciente. "A sorologia detecta o antígeno do parasita na corrente sanguínea. Todo agente etiológico provoca uma reação imunológica. Então, vamos pegar o sangue do paciente e fazer a sorologia com kits específicos que reconhecem o antígeno da ameba. A sorologia vai ajudar ao profissional de saúde a ter maior precisão no diagnóstico e fazer a medicação mais correta ao paciente, principalmente se ele estiver com suspeita de abscesso hepático causado por este parasito", afirma o pesquisador.

O diagnóstico por meio da sorologia fará também com que pesquisadores estudem outras espécies existentes da doença. "São cerca de oito que hoje habitam o sistema digestivo humano, entre elas está a Ameba estolite, que é a pior de todas porque invade os tecidos e pode formar úlcera no intestino e matar a pessoa. Há também uma espécie que atua na boca, a Amoeba gingivalis, que provoca erosão da gengiva, queda de dentes e pode ser transmitida pela saliva, através do beijo, mas esta nunca foi estudada no Estado", disse.

Reportagem especial publicada no jornal Amazônia, dia 30/01/2011. Para ler mais clique aqui

Conselheiros em sala de aula

Por: Cleide Magalhães

Edição: Ana Danin

UFPA coordena implantação de Escola voltada à qualificação

Quase todos os Estados do País contam com sua Escola de Conselhos e o Pará implementa a proposta a partir deste ano. Ela está prevista no Programa de Direitos Humanos do Governo Federal e seu objetivo é desafiador, mas fundamental para o processo democrático brasileiro: garantir que nenhuma criança ou adolescente seja objeto de negligência, discriminação, exploração, violência ou opressão e garantir também direitos previstos há 20 anos no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), considerado por especialistas como uma das legislações mais modernas em proteção da infância e da adolescência do mundo.

No Estado, a implementação da proposta começa, de fato, a partir de março, em 25 municípios pólos onde vão acontecer a formação continuada para os cerca de 910 conselheiros de direitos e tutelares existentes, os quais atuam em 143 dos 144 municípios. "Durante a formação, vão ser realizadas as vivências formativas nas quais os conselheiros vão obter informações sobre a lei, sua aplicabilidade e outros assuntos na área. Depois, cada pólo vai produzir um diagnóstico da situação e mapear a rede de proteção de direitos, que vai dar subsídio para que os conselheiros prepararem um plano de intervenção, para fortalecer a garantia de direitos e impedir que situações de violação com crianças e adolescentes se proliferem", explica o coordenador da Escola, o professor doutor em Educação da Universidade Federal do Pará (UFPA) Salomão Hage.

O projeto vai levar em conta os componentes culturais diversos existentes no Estado e as relações de forças locais que interferem na aplicação da legislação e controle social. "O Pará, além de ter ampla extensão territorial, conta com grandes diversidades. Temos diferentes populações como crianças ribeirinhas, em especial na ilha do Marajó, que continuamente atravessam os rios e estão expostas à prostituição que ocorre nas balsas; crianças expostas nos garimpos; no sul e sudeste crianças e adolescentes estão expostos ao trabalho nas carvoarias, em vez de estarem na escola, enfim... É um conjunto de situações diversas e precisam de tratamento específico. O direito para eles é o mesmo, a garantia de direitos é necessária, mas tem todo um componente cultural, relação de forças locais que interferem na aplicação da legislação e controle social", afirma Salomão Hage.

Segundo ele, a expectativa é mobilizar mais parceiros que atuam no sistema de garantia de direitos das crianças e adolescentes e com isso exigir melhores políticas públicas e sensibilizar a sociedade civil. "À medida que a escola for instalada e as vivências formativas acontecerem nos municípios, a pretensão é garantir a Escola de Conselhos nos municípios. Essa seria a principal inovação do projeto, pois já existe uma rede que envolve o sistema de garantia e proteção de direitos, mas ela está focada, muitas vezes, mais questões legais e de violação de direitos. Com a formação, a escola inova na mobilização de um conjunto de atores, parceiros e instituição públicas não governamentais e esperamos que sejam efetivadas a formulação e execução das políticas públicas e o controle social", objetiva o coordenador.

Capacitação sempre foi deficiente no Pará

A pesquisa nacional "Conhecendo a Realidade" divulgada em 2007 pelo Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (Ceats) aponta que somente 43% dos conselhos tutelares da região Norte disseram ter recebido alguma capacitação ao assumir a função e, em 35% dos conselhos nenhum conselheiro recebeu capacitação.

O Pará, com 144 municípios, possui 142 Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, 146 Conselhos Tutelares e 60 Sistemas de Informação para a Infância e Adolescência (Sipia). A implantação desses conselhos se deu sem que houvesse uma política de capacitação continuada, o que fragiliza a capacidade de atuação dos mesmos, sobretudo pela pouca instrumentalização destes agentes.

Reportagem especial publicada no jornal Amazônia, dia 06/02/2011. Para ler na íntegra clique aqui

Pesquisa mostra que APA não mudou condições de vida em Algodoal

Meio Ambiente e Cidadania

Texto: Cleide Magalhães

LEIS - Pesquisador alemão mostra que, além do lixo, propriedade da terra é preocupante

Transformada em Área de Proteção Ambiental (APA) em 7 de novembro de 1990, pela lei 5.621, a vila de Algodoal, na ilha de Maiandeua, em Maracanã, nordeste do Pará, abriga uma população para a qual conceitos como justiça ambiental e meio ambiente ainda são estranhos e geram dúvidas sobre como a APA pode contribuir para melhorar as condições de vida locais. O assunto é tema da tese de doutorado "Justiça Ambiental e Desenvolvimento Sustentável", do cientista político Götz Kaufmann, no curso de Sociologia Ambiental do Departamento de Sociologia Brasileira do Instituto de Pesquisas da América Latina, da Universidade de Berlim, na Alemanha. Ele falou sobre o tema na tarde do último dia 9, no auditório do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), na Universidade Federal do Pará, em Belém.

Kaufmann já fez estudo semelhante em 2003 na vila de Fortalezinha, também em Maiandeua. Entre novembro e dezembro de 2010, ele esteve na Vila de Algodoal tentando compreender o que as pessoas que vivem lá sabem sobre os temas de sua tese. "Há pontos-chave que me ajudam a entender a razão pela qual as leis ambientais não funcionam da forma que devem ser entendidas pela população".

O primeiro resultado da pesquisa mostrou que a APA de Algodoal/Maiandeua não tem receptividade entre a população local. "As pessoas pensam que a APA não tem capacidade de melhorar suas vidas. Moradores afirmaram não se sentirem representados pelo Conselho Gestor da ilha, que deve fiscalizar e ‘tomar conta’ da APA, pois este, segundo eles, não realiza ações importantes para melhoria da qualidade de vida da comunidade e do meio ambiente. Um dos pontos que os moradores apontaram foi a falta de apoio nas iniciativas que envolvem a cultura local, como a realização das festas de carimbó, que faz parte da tradição local, por exemplo. Respostas como essas são importantes para analisar o conceito e o discurso". Além disso, o estudo apontou que o poder público não é atuante e não representa os interesses da população.

O primeiro resultado da pesquisa mostrou que a APA de Algodoal /Maiandeua não tem receptividade da população local. "As pessoas pensam que a APA não tem capacidade de melhorar suas vidas. Moradores afirmaram não se sentirem representados pelo Conselho Gestor da ilha, que deve fiscalizar e 'toma conta' da APA, pois este, segundo eles, não realiza ações importantes para melhoria da qualidade de vida da comunidade e do meio ambiente. Um dos pontos que os moradores apontaram ainda foi a falta de apoio nas iniciativas que envolvem a cultura local, como a realização das festas de carimbó, que faz parte da tradição local, por exemplo. Respostas como essas são importantes para analisar o conceito e o discurso". Além disso, o estudo apontou que o poder público não é atuante e não representa os interesses da
população.

Durante o estudo, o pesquisador constatou também que não somente a questão do lixo é problema em Algodoal, mas, principalmente, a propriedade da terra. "Ela está concentrada nas mãos de que tem maior poder aquisitivo, e, geralmente, são pessoas que compram áreas dos nativos, os quais passam a viver em áreas mais periféricas da ilha e até próximo aos mangues - o que gera sérios problemas também para o meio ambiente".

Diante dessas constatações, para ele, há necessidade de se reconfigurar a vida das pessoas e do meio ambiente em Algodoal, "pois justiça ambiental e desenvolvimento sustentável trazem conceitos que todos podem usar, mas na prática nem sempre acontecem".

Götz Kaufmann apontou algumas soluções que podem ajudar com que o tema de sua palestra possa fazer parte da realidade da população da vila como fazer com que a população se sinta representada no Conselho Gestor da ilha; implementar o Plano de Manejo, principal instrumento de preservação e inclusão social da APA, que está na fase de estudos há quase sete ano; disponibilizar agentes ou policiais ambientais na ilha; inserir Algodoal em projetos federais; desenvolver a cultura local; aumentar a capacidade de comunicação entre a população e os agentes políticos na ilha; entre outros. Muitas delas, disse, já foram levadas à Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), órgão responsável concessão ou não do licenciamento ambiental dos empreendimentos que possam vir a ser desenvolvidos em uma APA.

APA

A APA é um tipo de Unidade de Conservação (UC) que tem por objetivo conciliar as atividades humanas com a conservação da vida silvestre, a proteção dos demais recursos naturais e a melhoria da qualidade de vida da população, por meio de um trabalho conjunto entre órgãos do
Governo e a participação ativa da comunidade.

Publicado no jornal O Liberal e Portal ORM - 10/02/2011.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O Xingu do século 21 ameaçado

CAO HAMBURGER

Se nossos dirigentes tivessem interesse em entender a cultura dos indígenas, abortariam qualquer projeto que os ameaçasse, como Belo Monte


Em 2011, o Parque Indígena do Xingu está fazendo 50 anos. Algo profundo mudou na minha percepção de mundo enquanto conhecia o parque e sua história durante a produção do filme "Xingu".

Sem dúvida, é um dos maiores patrimônios do Brasil -e nós, brasileiros, não temos a menor ideia do que ele representa e do que está protegido ali. Criado em 1961, é a primeira reserva de grandes proporções no Brasil.

Abriga povos de cultura riquíssima e filosofia milenar, que vivem em equilíbrio, preservando seu modo de vida, sua dignidade, sua cultura e vasta sabedoria, assimilando só o que vale a pena do "mundo de fora", sempre em sintonia com a natureza exuberante. Um verdadeiro santuário social, ambiental e histórico no coração do Brasil.

Mas não estamos falando só de preservação do passado e da natureza. O que está sendo protegido ali é o futuro. Não o futuro visto com os óculos velhos, sujos e antiquados que enxergam o progresso da mesma maneira como enxergavam nossos bisavós na Revolução Industrial, mas o futuro do século 21.

Esse talvez seja o maior patrimônio do Brasil hoje. Mais valioso que todo o petróleo, soja, carne, ferro que tiramos do nosso solo, ou todo automóvel, motocicleta, geladeira que fabricamos.
O que está protegido ali é um novo paradigma de como o ser humano pode e deve viver. Não estou dizendo que precisamos morar em ocas, dormir em redes, tomar banho no rio e andar nus. Falo de algo mais profundo.

Algo novo para nós, ditos civilizados, que nascemos e fomos criados como os donos do planeta. Arrogantes e prepotentes, nos transformamos no maior agente destruidor do nosso próprio habitat.

Um exército furioso de destruição. Um vírus que se multiplica e ataca, transformando e destruindo tudo o que encontra em seu caminho na presunção de que estamos construindo um mundo melhor, mais seguro, mais confortável, mais rentável. No Xingu, progresso tem outro significado.

No Xingu, homens e mulheres não vivem como donos do mundo, não foram criados com essa arrogância. Vivem como parte da cadeia de vida do planeta, e essa cadeia é interligada e interdependente. O "progresso" e o bem-estar dos homens está ligado ao equilíbrio dessa cadeia. Para os índios, homem e natureza evoluem juntos.

Golpe baixo.
Mas a megausina de Belo Monte quer represar o rio Xingu. O rio que é a alma e a base da vida das comunidades indígenas da região.
Um golpe baixo, em nome do progresso. Progresso com os velhos parâmetros dos séculos 19 e 20, que tem levado o mundo ao colapso social e ambiental.
É isso que queremos?
Se nossos dirigentes e a sociedade como um todo se interessassem em entender a filosofia, a cultura e a inteligência dos povos indígenas, abortariam qualquer projeto que os ameaçasse. E poderíamos inaugurar novo paradigma de progresso.
O progresso do equilíbrio. Seríamos a vanguarda mundial do século 21. Essa é a demanda. Essa é nossa chance. Sejamos corajosos, ousados, visionários. Como foram os que lutaram pela criação do Parque do Xingu há 50 anos.


CARLOS IMPÉRIO HAMBURGER, 48, é diretor de cinema e televisão. Atualmente finaliza o filme "Xingu", sobre a criação do Parque Indígena do Xingu.
Folha de São Paulo - 06/01/2011.