Reportagem especial publicada no jornal Amazônia, em 12/06/2011.
Doença tem cura, mas óbitos em 2010 chegaram a 300 só no Pará
A tuberculose é uma doença que atravessou séculos e já vitimou pessoas famosas no Brasil, como o poeta Castro Alves e o cantor e compositor Noel Rosa. Ainda hoje ela continua a infectar todos os anos 1,96 milhão de pessoas e, embora seja curável, mata anualmente 2,5 milhões de cidadãos no mundo. Segundo dados de 2010 do Ministério da Saúde, o Brasil é 19º país com maior número de casos da doença. Apenas cerca de 70% dos novos casos são curados, abaixo do esperado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de pelo menos 80%.
No Pará, os dados também preocupam. Informações do serviço de Pneumologia do Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB), da Universidade Federal do Pará (UFPA), apontam que, em 2010, foram registrados cerca de 3 mil casos novos, dos quais 10% chegaram a óbito. Só em Belém, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), a média de casos novos varia entre 1,2 mil e 1,3 mil ao ano.
Atualmente, 80% das pessoas que adquirem tuberculose no Estado vivem abaixo da linha da pobreza. Muitas delas se concentram em espaços aglomerados e sem ventilação, facilitando a cadeia de transmissão da doença. A maioria dos casos de tuberculose envolve pessoas adultas e na fase produtiva da vida, entre 20 e 49 anos.
"O grupo mais suscetível a contrair a doença ainda é a população carente, como as pessoas que vivem em aglomerados, nas ruas, em presídios, que têm HIV. São pessoas extremamente carentes e com dificuldades diversas e, por várias situações, acabam desistindo do tratamento no segundo ou terceiro mês. Isso possibilita com que o bacilo fique resistente e não impede que quem não está nesse grupo não tenha a tuberculose, uma vez que ela é transmitida por aerossóis produzidos por um indivíduo contaminado quando ele tosse, fala, espirra ou cospe", explica a médica Neusa Moreira, chefe do serviço de Pneumologia do Barros Barreto, considerado um dos hospitais de excelência no País, reconhecido inclusive pelo Ministério da Saúde, para tratar de pacientes com tuberculose resistente.
Desde abril deste ano, o HUJBB assumiu oficialmente a referência estadual da tuberculose e, além da referência terciária - que é a tuberculose multiresistente ou extensivamente resistente (TB-XDR) e casos de pacientes internados -, a instituição passou responder pela referência secundária da doença - que são todas as intercorrências no tratamento da tuberculose e casos que a rede básica de saúde não consegue diagnosticar, mas tem forte suspeita a respeito da doença.
Abandono do tratamento no brasil supera média da ORMS
Segundo Carlene de Almeida, coordenadora do Programa Municipal de Controle à Tuberculose em Belém, da Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), uma das razões para que ainda exista a tuberculose resistente no País está associada a tratamentos irregulares e abandonos sucessivos. A média de pessoas que desistem de tratar da doença no Brasil é de 9% e Belém está acima disso. Há cerca de dois anos, os casos de abandono na capital paraense estavam entre 13% e 15%. Em 2010, caiu para 11%, entretanto, os índices ainda são altos quando levado em consideração o que preconiza o Ministério da Saúde, de acordo com a OMS - até 5% de abandono. A OMS prevê ainda que a cura seja minimamente 80% dos casos da doença. No ano passado, a cura no Brasil ficou em 70% e em Belém se mantém entre 70% e 75% há quatro anos.
Mas existe um caminho para se tentar alcançar solução para o problema. A maior expectativa hoje é o Tratamento Diretamente Observado (TDO), estratégia mundial criada para incentivar as pessoas a continuarem o tratamento da tuberculose. Em Belém, das 27 unidades básicas de saúde a iniciativa acontece em apenas três delas: Marambaia, Telégrafo e Tapanã. "O TDO foi o fator principal que nos ajudou a diminuir os casos de abandono. Nele, os profissionais de saúde observam os pacientes a ingerirem a medicação. Não é obrigatório, acontece três vezes na semana, quando oferecemos um café da manhã, servido bem cedinho, com frutas e proteínas. Em seguida, eles fazem a medicação, ficam em observação e voltam para casa. O café serve de atrativo para o paciente cuidar da doença, ajuda ainda na parte nutricional da sua saúde e a garantia de que o tratamento acontece sob a observação do profissional de saúde. Até o final do ano, o TDO estará em todas as unidades", disse Carlene.
O ourives Paulo Filgueiras, 46 anos, é um dos 50 pacientes que participam do TDO na unidade da Marambaia. Ele conta que teve sinais da doença durante exames que realizava para submeter-se à cirurgia de pedra na vesícula, no ano passado. "Aparentemente, eu não tinha sintoma nenhum, mas durante exame de risco cirúrgico o médico verificou algo estranho no meu tórax. Após a cirurgia, fiz exame que diagnosticou a tuberculose. Passei, então, a cuidar da doença na unidade da Marambaia e optei em fazer o TDO porque é uma garantia a mais de que vou fazer tudo direitinho, pois quero ficar tranquilo. Em busca da minha saúde vou até o fim. Além disso, me preocupo em não passar a doença para minha família: esposa e dois filhos, entre 18 e 22 anos", relatou Paulo.
Tratamento pode durar até 18 meses
Todo e qualquer tratamento, seja mono, poli ou multirresistência ou de tuberculose extensivamente resistente, segue a normatização do Ministério da Saúde e é prescrito somente em serviços de referência especializados, no caso do Pará, o Hospital Universitário João de Barros Barreto. Ele é prolongado, dura entre seis e dezoito meses. Fator esse, que segundo Carlene de Almeida, dificulta quanto ao acompanhamento. "Geralmente, são seis meses e o paciente chega à cura. Se a pessoa fizer em menos tempo, isto é, interromper o tratamento não elimina todos os bacilos. Se ficar algum bacilo vivo no organismo, ele se multiplica de novo e, em mais algum tempo, a pessoa volta a ter todos os sintomas e piora seu quadro clínico. Aí o tratamento é mais complicado porque o bacilo a fica mais resistente. Quando isso acontece é mais difícil chegar à cura, resultando em maior prejuízo ao organismo, e o tratamento fica mais dolorido."
Medicação - Há cerca de um ano e meio, a medicação no combate à tuberculose sofreu alteração pelo Ministério da Saúde. É uma nova apresentação, composta por quatro drogas associadas em um único medicamento: pirazinamida, etambutol, rifampicina e izoniazina. O tratamento com a criança é o mesmo, mas feito sob acompanhamento de um pediatra e a dosagem é de acordo com seu peso. A criança que tiver abaixo de 10 anos não toma somente o etambutol, atendendo à orientação da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Carlene ressalta que a alteração é positiva, pois quando as drogas eram dissociadas em outros comprimidos e cápsulas dificultavam o tratamento, porque devido o paciente tomar muitos deles acabava não tomando todo o quantitativo necessário. Caso haja reação medicamentosa, paciente deve comunicar ao profissional de saúde, o qual pode adequar as drogas de acordo com a situação. "Manifestações apresentadas pelas drogas são de fáceis manuseios. Na maioria das vezes, o médico consegue resolver e a pessoa não precisa parar o tratamento", garante a coordenadora do Programa Municipal de Controle à Tuberculose em Belém.
A tuberculose multiresistente ou extensivamente resistente (TB-XDR), como o próprio nome já diz, é resiste a todas as drogas do esquema da doença e existe no Pará. Nesse caso, a médica Neusa Moreira, do HUJBB, alerta que os pacientes deveriam estar em espaços isolados, para evitar o contágio, pois "as pessoas têm menos perspectiva de cura que quem está com Aids".
Por outro lado, a coordenadora estadual do Programa de Controle da Tuberculose no Estado (PCT/PA), Antônia Mesquita, afirma que, atualmente, não há recomendação de isolamento dos casos, segundo o Programa Nacional de Controle da Tuberculose. "O isolamento de casos resistentes se torna inviável devido a várias questões, dentre elas a longa duração do tratamento e a possibilidade de vigilância ambulatorial dos casos, pois, os pacientes são monitorados mensalmente com baciloscopia direta de escarro e várias coletas para cultura de escarro, que definem a parada da transmissão, embora o paciente não esteja curado e necessite de tratamento completo. Isso implica em manter o paciente no convívio familiar, o que dá suporte emocional para que o mesmo se sinta motivado a tratar-se."
Antônia lembra que a política sanatorial existiu no Brasil na época pré-quimioterápica (antes do surgimento dos tuberculostáticos) com objetivo de afastar os doentes do contato com outras pessoas, "porque na época a doença não tinha tratamento e, portanto, praticamente nenhuma chance de cura".
Prevenção - Uma das formas de prevenção da tuberculose é a imunização com a vacina BCG, aplicada nos bebês, que fornece uma resistência de 50 a 80% à doença. Quem apresentar os sintomas da doença deve procurar atendimento médico o quanto antes para evitar a transmissão a outras pessoas.
Mal já foi conhecido por muitos como a "peste cinzenta"
Antigamente, a tuberculose era chamada de "peste cinzenta" e hoje é também conhecida como "doença do peito". É uma doença infecciosa, transmissível e do aparelho respiratório. "Infecta, principalmente, o pulmão (tuberculose pulmonar), forma mais frequente e generalizada da doença. Porém, o bacilo da tuberculose (Mycobacterium tuberculosis ou Bacilo de Koch) pode afetar também outras áreas do organismo (extrapulmonares).
Sintomas - A médica Neusa Moreira alerta a população para que fique atenta aos principais sintomas da doença. "Além da tosse produtiva, com secreção e por mais de três semanas, a indisposição, fadiga, perda de apetite, febre não alta no final da tarde e perda de peso são sintomas para os quais a pessoa precisa estar alerta. Nos casos mais avançados, os sintomas são dor no peito, escarro com sangue, falta de ar. A tuberculose é diferente da pneumonia, a qual é mais aguda e, durante sete dias de doença, a gripe evolui logo para febre alta, dor no peito. Por ser um pouco mais silenciosa que a pneumonia, o paciente com tuberculose não se desperta logo para a doença. Esses fatores quando não são tratados levam à morte".
Diagnóstico - Neusa Moreira destaca que quem observar que está com tosse por mais de três semanas pode ir à unidade de saúde básica mais próxima de sua casa e solicitar exame de escarro, porque pode ser tuberculose. O exame é feito hoje nas unidades da Marambaia, Bengui, Tapanã, Icoaraci, Jurunas, Telégrafo, Guamá, Paraíso dos Pássaros e Cotijuba.
Quando necessário, o profissional de saúde encaminha o exame de escarro ao Laboratório Central do Estado, onde é feito um exame de cultura com teste de sensibilidade para saber se o bacilo tem ou não resistência a alguma das quatro drogas que compõem o tratamento.
Caso o resultado seja positivo em relação a pelo menos uma das drogas do esquema, a pessoa é encaminhada ao Barros Barreto, onde é definido o melhor tratamento. Fora isso, o tratamento acontece nas unidades, que cuidam da tuberculose ainda na fase inicial. O tratamento é feito em todas as 27 unidades e nas 50 unidades de saúde da família, é gratuito e a medicação é distribuída na própria unidade, e somente via Sistema Único de Saúde.
Quando o paciente é referenciado para o Hospital Barros Barreto, o diagnóstico é feito por meio de exames específicos que não têm na rede básica de saúde, ele inicia o tratamento e retorna para tratar da doença na unidade de seu bairro, de preferência. "É muito importante que a pessoa continue o tratamento na unidade porque é mais próximo de sua casa e ajuda evitar com que desista. Nos casos mais complicados, principalmente nas situações em que o paciente não tem somente tuberculose, acompanhamos até o final, porque temos suporte de equipe multidisciplinar", afirmou a médica do Hospital João de Barros Barreto.
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